Josué Medeiros

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Josué Medeiros é cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Mariana Castro

Doutoranda em Ciência Política pela IESP-UERJ, pesquisadora no Observatório Interdisciplinar das Mudanças Climáticas e no Laboratório de Análise Política Mundial da mesma universidade

Opinião

Como as mudanças climáticas podem redefinir as eleições municipais brasileiras

O modo como somos afetados, seja pela falta de luz generalizada ou pelo alagamento das ruas, é sim de responsabilidade da prefeitura, que deveria implementar políticas de adaptação e mitigação

Santa Catarina - Força-tarefa do governo federal, coordenada pelo ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, visita municípios de Santa Catarina atingidos pelas fortes chuvas. Foto: Dênio Simões/MIDR
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A ciência política brasileira apresenta uma espécie de “lei de ferro” nas eleições municipais: o eleitor tende a escolher os prefeitos com base em questões locais, atribuindo pouca ou quase nenhuma importância às questões nacionais ou globais. Dessa forma, questões como zeladoria urbana, impostos e taxas municipais e a proximidade dos mandatários com o eleitorado emergem como fatores determinantes nas escolhas das pessoas sobre quem serão seus prefeitos e vereadores.

Não obstante, ao longo da história da democracia brasileira existem casos emblemáticos nos quais as eleições municipais foram influenciadas pela dinâmica da política nacional. No ano 2000, por exemplo, o PT obteve vitórias significativas, elegendo prefeitos em capitais importantes como Porto Alegre, São Paulo e Recife, além de diversas cidades médias. Esse resultado foi fortemente impactado pela rejeição generalizada ao governo de Fernando Henrique Cardoso, o qual tinha no PT sua principal oposição. Esses triunfos abriram espaço para a consolidação da quarta candidatura de Lula à presidência em 2002, quando ele finalmente venceu.

Outro momento de nacionalização foi o ano 2016, ocorrido na esteira do golpe parlamentar contra Dilma, nas quais a esquerda foi varrida das capitais e grandes cidades. Nossa aposta é que as eleições de 2024 serão mais um momento em que a nacionalização da política vai se impor sobre as pautas locais. Entretanto, isso não se dará apenas pela continuação da polarização Lula x Bolsonaro – que sim, em nossa opinião, vai marcar as disputas nas cidades com 2º turno – mas também pela centralidade do tema das mudanças climáticas de norte a sul do Brasil.

O cenário da pré-campanha, com os incumbentes na defensiva, deve permanecer até as eleições – e é muito importante que as candidaturas de esquerda e progressistas tenham o que mostrar

Vejamos os dados. Em 2023, segundo o governo federal, aproximadamente 14,5 milhões de pessoas foram afetadas por desastres climáticos no Brasil. Mais da metade dos municípios brasileiros, 2.797 de um total de 5.568, emitiram decretos de emergência ou estado de calamidade em resposta a essas adversidades. De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, ao longo de 2023, destaca-se a ocorrência de 716 eventos hidrológicos, caracterizados por fenômenos como transbordamento de rios, e 445 eventos geológicos, principalmente os deslizamentos de terra.

No que diz respeito às cidades mais impactadas, Manaus lidera o ranking com 23 ocorrências, seguida por São Paulo, que registrou 22 eventos, e Petrópolis, localizada na região serrana do Rio de Janeiro, com um total de 18 eventos catastróficos. Dado que 2023 foi o ano mais quente da história do planeta, e que janeiro de 2024 bateu recordes de temperatura em diversas cidades brasileiras, é inegável que os eventos extremos continuarão acontecendo e que a população será afetada de maneira cada vez mais impactante.

No ano passado, 21 mil acreanos precisaram deixar suas casas devido a enchentes no fim de março. Em julho, 25 mil pessoas foram desalojadas devido às chuvas em Alagoas. Em novembro, todas as regiões da cidade de São Paulo entraram em estado de atenção devido a alagamentos, causando interrupções no fornecimento de eletricidade e água. Em 2024, só no primeiro mês do ano, mais de 100 mil pessoas foram afetadas pelas chuvas no Rio de Janeiro, resultando em 12 mortes. Porto Alegre também enfrentou inundações, deixando cerca de 1,3 milhão de pessoas sem energia e afetando o abastecimento de água, enquanto em Belo Horizonte, fortes chuvas provocaram enxurradas em vários pontos da cidade.

Apesar do aumento e da intensidade desses eventos, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima alerta que 3.679 municípios brasileiros, representando 66% do total, não estão preparados para enfrentar as consequências das mudanças climáticas. A particularidade desse tema para as eleições municipais é que as mudanças climáticas são, ao mesmo tempo, uma questão global, nacional e local. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), atribuiu os alagamentos na cidade aos maiores volumes de chuva em um tempo mais curto. Embora seja verdade, esse argumento é uma forma de se desresponsabilizar pelas consequências devastadoras que atingem principalmente o povo mais pobre nas periferias.

O modo como somos afetados, seja pela falta de luz generalizada ou pelo alagamento das ruas, é sim de responsabilidade da prefeitura, que deveria implementar políticas de adaptação e mitigação. As mudanças climáticas, portanto, já são um tema relevante nas eleições municipais de 2024. E é bom que seja assim. O cenário que estamos vendo na pré-campanha, com os atuais mandatários em geral ficando na defensiva e suas oposições denunciando o despreparo do poder público, deve permanecer até as eleições – e é muito importante que as candidaturas de esquerda e progressistas tenham ações concretas para mostrar.

Todo esse processo é parte do desafio de cultivar uma consciência coletiva e cidadã de que é viável adotar medidas para reduzir os impactos climáticos, tanto antes quanto durante suas ocorrências. Isso envolve tanto uma atuação em nível internacional, por meio de fóruns multilaterais, quanto no nacional, com uma agenda de políticas públicas voltadas para o clima e as áreas mais vulneráveis. A nível local, será através das iniciativas de prevenção e solidariedade dos movimentos sociais, bem como pela exigência de ações efetivas por parte das prefeituras.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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