Marjorie Marona

Professora de Ciência Política da UNIRIO e pesquisadora do QualiGov - Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável.

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Combate ao corporativismo

Os processos disciplinares contra magistrados da Lava Jato são uma oportunidade de o CNJ reforçar a sua credibilidade

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Créditos: Divulgação
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Em decisão apertada, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a instauração de processos administrativos disciplinares (PADs) contra quatro magistrados que atuaram na Operação Lava Jato, com base em denúncias de abuso de autoridade, parcialidade, conduta inadequada e enriquecimento ilícito, dentre outras.

Desde a sua criação, em 2004, o CNJ atua na fiscalização e disciplina da magistratura, como parte de suas atribuições de governança judicial. Similar a conselhos de magistratura na América Latina, o CNJ tem competência para supervisionar e regular a atividade judicial. Imerso na dinâmica regional, o conselho enfrenta alguns dos desafios comuns aos semelhantes órgãos de magistratura latino-americanos, particularmente no desempenho de funções de fiscalização e disciplina do Judiciário, com destaque para o corporativismo, na forma de resistência da categoria às ações corretivas.

A instauração dos PADs contra os magistrados da Lava Jato não apenas responde às demandas domésticas por maior controle público sobre a atuação judicial, como também serve de exemplo para conselhos de magistratura na América Latina, evidenciando a necessidade de uma atuação mais eficaz em face dos desafios de legitimidade que o Judiciário enfrenta na região.

A autoridade judicial depende da percepção de legitimidade. Quando há confiança pública no Judiciário, a autoridade é fortalecida e as decisões têm maior aceitação. De forma geral, a confiança da população na Justiça na América Latina é baixa. De acordo com pesquisas do Latinobarômetro, a média de confiança na Justiça latino-americana é de apenas 34%.

Seguindo a tendência regional, os índices de confiança na Justiça brasileira estão abaixo de 35% desde 2004, caindo para 25% em 2016 e subindo levemente para 29% em 2021. A desconfiança no Judiciário é resultado de fatores históricos, políticos, econômicos e sociais que afetam a legitimidade e efetividade do sistema judicial, alimentada pela percepção de corrupção e parcialidade dos magistrados.

A Lava Jato suscitou fundadas preocupações sobre a conduta de alguns magistrados e outros agentes judiciais. Em um contexto em que a baixa confiança no Judiciário é uma realidade, as acusações de abuso de autoridade e parcialidade não podem ser ignoradas pelo CNJ, pois minam a confiança no Judiciário e, consequentemente, a autoridade e a efetividade da Justiça.

A decisão do CNJ de investigar as alegações reforça o compromisso com a integridade da Justiça, contrastando com críticas fundadas de que o conselho é tímido na fiscalização de magistrados. De fato, entre 2005 e 2021, o CNJ instaurou apenas 2.062 PADs, e apenas 20,5% resultaram em algum tipo de penalidade. Vale lembrar que o universo de magistrados no Brasil é de em torno de 18 mil profissionais, distribuídos entre os variados ramos. Ademais, o valor médio das multas aplicadas pelo CNJ, 8.255 reais, é baixo em face da média de rendimentos dos magistrados. Além do salário, juízes recebem benefícios, perfazendo uma remuneração que facilmente pode chegar ao teto remuneratório do serviço público de 39.293,32 reais.

A decisão do CNJ em face das denúncias de abuso dos juízes da Lava Jato tem potencial de alterar sua trajetória institucional e de aprimorar o sistema de Justiça brasileiro, porque sinaliza a disposição para mudança da cultura organizacional corporativista, por meio de uma fiscalização rigorosa e transparente. É fundamental que o CNJ atue com equilíbrio, evitando a percepção de interferência indevida na independência judicial, um princípio igualmente essencial para a democracia.

Os magistrados acusados devem ter direito à defesa e a um julgamento justo, sem dúvida. Contudo, a independência judicial não deve ser um escudo para a impunidade. Cabe ao CNJ assegurar que suas decisões se baseiem em evidências claras e de conformidade com os princípios legais, evitando percepções de retaliação.

A credibilidade do próprio CNJ é vital para a construção de um Judiciário que sirva de exemplo para a cultura democrática nacional e regional. •

Publicado na edição n° 1315 de CartaCapital, em 19 de junho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Combate ao corporativismo’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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