Educação

Com Nikolas, Comissão de Educação será um dos maiores ativos eleitorais do bolsonarismo

Enquanto o PT busca controlar as emendas da saúde, o PL presenteia com o megafone da Comissão de Educação um profissional da disseminação de pânico moral com finalidades eleitorais

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG). Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
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Dono da maior bancada da Câmara dos Deputados, o ultraconservador Partido Liberal (PL) indicou o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) para presidir a Comissão de Educação em 2024. A indicação foi ratificada após acordo entre as lideranças partidárias, ainda que, segundo relatos na imprensa, a base do governo – insatisfeita com a indicação do parlamentar mineiro – tenha tentado adiar a instalação das comissões. Não funcionou. Ferreira foi conduzido à presidência da comissão.

Antevendo a péssima repercussão do caso no campo educacional, o líder do governo José Guimarães (PT/CE) contemporizou. Garantiu que “quem vai presidir uma comissão da importância dessa não pode fazer qualquer loucura”. Guimarães, que tomou a posição do centrão quando deputados direitistas tentaram acelerar a votação da nova Reforma do Ensino Médio, agora lança um maroto “as instituições estão funcionando”.

A escolha das presidências das 30 comissões temáticas permanentes da Câmara é feita a partir de costuras políticas que levam em conta o tamanho das bancadas. A primeira opção é feita pela maior bancada; na atual legislatura, a do PL, que indicou Caroline de Toni (PL/SC) para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. A bancada da Federação PT-PCdoB-PV, que teria a prioridade de escolha na sequência do PL, poderia ter indicado a presidência da Comissão de Educação, mas preferiu a Comissão de Saúde (Tabela 1). A bancada do PL, próxima da lista, quis a presidência da Comissão de Educação e indicou Nikolas, seu parlamentar mais histriônico, para o cargo.

A depender dos arranjos, essas escolhas podem mudar. Em 2023, por exemplo, o PL cedeu a presidência da CCJ ao PT e Rui Falcão (PT/SP) ficou com a vaga. O PL, por sua vez, pôde atribuir a relatoria do orçamento a Luiz Carlos Motta (PL/SP).

TABELA 1. Ordem de escolha das duas maiores bancadas da Câmara para indicação de presidência das primeiras 19 comissões permanentes (2024). Demais partidos foram omitidos.

O PT assumiu a presidência da então Comissão de Educação e Cultura pela primeira vez em 2000, e até 2015 o cargo sempre esteve com ele ou com partidos aliados. A hegemonia foi quebrada no governo Temer, e até hoje o PT não indicou presidente para a Comissão de Educação. De 2016 para cá, o número de presidentes da Comissão de Educação com profissões vinculadas à educação é visivelmente menor (ver Tabela 2).

Em ano de eleições municipais, a estratégia do PT na escolha das comissões foi, ao que parece, controlar o orçamento de R$ 4,54 bilhões em emendas da Comissão de Saúde, o maior dentre todas as comissões permanentes da Câmara. A título de comparação, a Comissão de Educação possui “modestos” R$ 180,2 milhões em emendas.

Compreensivelmente, o contexto de balcanização da política no Congresso Nacional levou à escolha pragmática pela comissão mais rica como potencial ativo para a eleição de correligionários nos municípios. A escolha do PT que alçou o deputado Doutor Francisco (PT-PI) à presidência da Comissão de Saúde é, portanto, muito legítima. “Coisas da Realpolitik”, teorizará o tuiteiro pró-governo.

Ocorre que o PL também tem fortes razões para acreditar que a fanfarronice e a disseminação de pânico moral sejam estratégias eficazes para amealhar votos. Assim, as indicações de Caroline de Toni e de Nikolas Ferreira – dois dos mais reacionários da bancada – para a presidência de comissões com grande visibilidade midiática em 2024 também foram calculadas mirando as eleições municipais.

Ao contrário do que sugeriu José Guimarães – de que haveria um “compromisso” por parte do PL de não criar dificuldades nas políticas que o Ministério da Educação (MEC) está desenvolvendo na Comissão de Educação –, Ferreira foi colocado pelo PL na presidência daquele colegiado precisamente para gritar, tumultuar e engajar o eleitorado reacionário. O PL escolheu a comissão certa e a pessoa certa. O autoengano acalentado por José Guimarães não resiste à primeira declaração pública de Ferreira após eleito: “debateremos assuntos importantes e complexos como: Plano Nacional de Educação, segurança nas escolas, fortalecimento da educação básica, homeschooling, projetos que promovam uma educação que respeite a vida e a dignidade humana desde a concepção”.

Quem imaginaria que um deputado que é réu por expor nas redes sociais uma adolescente transexual de 14 anos que usou o banheiro feminino de uma escola e que já foi condenado em duas instâncias judiciais por ataques transfóbicos contra a deputada Duda Salabert (PDT/MG) quando ambos eram vereadores em Belo Horizonte faria algo diferente? Não é à toa que muitos tenham comparado a escolha de Ferreira para a presidência da Comissão de Educação à eleição de Marco Feliciano (PL/SP), em 2013, como presidente da Comissão de Direitos Humanos. Dos

TABELA 2. Presidentes da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados por ano, partido e profissão (1989-2024).

Enquanto o PT busca controlar as polpudas emendas parlamentares, comandando a Comissão de Saúde, a extrema-direita aposta na disseminação espetaculosa de discursos retrógrados e presenteia com o megafone da Comissão de Educação um deputado que domina como poucos o método da disseminação de pânico moral com finalidades eleitorais. Não sabemos qual das duas estratégias trará maiores proventos, mas já podemos cravar que 2024 será um péssimo ano para a educação no Legislativo brasileiro.

Para além das risíveis tentativas de contemporização da claque governista (afinal, estamos diante de um caso em que o PT poderia efetivamente ter feito diferente), a revolta de parlamentares vinculados à educação com a eleição de Ferreira na presidência da Comissão de Educação (com 15 votos em branco de um total de 37) nos dá uma dimensão de como serão as coisas. Já a expectativa, manifestada por membros do Executivo e por parlamentares nem tão vinculados assim à educação, de que terão condições de “frear” os arroubos de Nikolas Ferreira à frente da Comissão, é retórica chinfrim.

O mais provável é que os mais esforçados consigam, quando muito, rivalizar com Ferreira na produção de frases de efeito para a economia das redes sociais. Na impossibilidade de impor travas ao parlamentar incontinente, espera-se que o governo federal já tenha uma ideia do que fazer com a tramitação do Projeto de Lei do próximo Plano Nacional de Educação, pauta central da área, seja retardando a apresentação do PL, seja discutindo a matéria em Comissão Especial – preferencialmente presidida por alguém que não seja inimigo declarado da educação democrática, inclusiva e dos/as profissionais da educação.

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