Aldo Fornazieri

Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde é professor. Autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

Com denúncias, Bolsonaro não tem mais a bandeira da anticorrupção

‘O que lhe resta é a incitação ao ódio, ao conflito, o apelo ao golpe, a mentira, a ameaça da violência’

Foto: ANDRE BORGES / AFP
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A ideia de que Bolsonaro e os seus representavam o esteio da moralidade, o batalhão luminoso dos que expurgariam os corruptos da política brasileira, ruiu. Os Bolsonaros estavam eivados de suspeitas e de denúncias de corrupção pelas “rachadinhas”. O ex-capitão aproveitou-se da onda do terror moralista instaurado no Brasil pelo tribunal de exceção de Curitiba e seu ex-juiz, Sergio Moro, para vencer em 2018. Hoje, todos sabem que Moro transformou a 13ª Vara Federal de Curitiba numa vara de açoite à Constituição e ao Estado de Direito.

Como herói nacional de combate à corrupção, Moro foi um juiz corrupto. Corrompeu os princípios do direito e os alicerces da Constituição. A função de um juiz não é combater nem julgar moralmente. Sua função é julgar com imparcialidade, segundo o direito e as leis. Além de corromper os princípios da Justiça, Moro mostrou-se corrupto porque tinha ambição de ganho pecuniário e de poder. Foi ser ministro de Bolsonaro, que ataca a democracia e a Constituição todos os dias.

O governo Bolsonaro, em boa medida, é o fruto venenoso da corrupção da Justiça. Tornou-se artífice do tipo de engano que todas as ondas de terror moralista produzem: governos mais corruptos e criminosos do que aqueles que os moralistas alegavam combater. Berlusconi na Itália foi esse engodo. Bolsonaro no Brasil é esse engano.

O governo do ex-capitão, além dos mais de 500 mil mortos, além dos campos-santos extravasarem sepulturas, além dos crimes contra a saúde pública, vê-se envolto numa teia de corrupção bilionária: o orçamento secreto, a compra de vacinas superfaturadas, várias denúncias de corrupção e de mau uso do dinheiro público. O presidente não tem mais bandeira, máxima, feito ou realização alguma que possa apresentar como algo positivo. O que lhe resta é a incitação ao ódio, ao conflito, o apelo ao golpe, a mentira, a ameaça da violência. Parte de seus seguidores o está abandonando e cresce o número dos que querem seu impeachment.

Mas Bolsonaro ainda tem um número razoável de seguidores. Uns o seguem por oportunismo, interesse, vantagens, negociatas. E há os devotos. Estes têm Bolsonaro como mito. Não conseguem perceber que é um mito vazio, sem feitos, sem glória, que teve vida parlamentar inútil, que teve vida militar cortada pela indisciplina. Os bolsonaristas acreditam cegamente nesse mito. Mas ele não tem nada a apresentar além de seus desejos de poder, de violência e de morte.

Os seguidores não percebem a armadilha. Para eles, nada mais importa: nem a razão, nem a ciência, nem as evidências, nem a amizade, nem o diálogo, nem qualquer tipo de mediação. Seguir o mito consiste em fechar-se num labirinto sem luz, significa abrir mão de entender a realidade. Negam-se a perceber o óbvio. Este é o perigo desses movimentos fanáticos extremistas e totalitários. Agem, até pela violência, em nome de uma não realidade, de uma mentira.

Os bolsonaristas deixaram de ver o mundo pelas normas da consciência coletiva, pela moralidade comum da sociedade. Acreditam ser democrático aquilo que é ditadura. Não sentem culpa porque consideram a defesa de atos criminosos como atitude moral. Para eles, o senso moral não consiste em resistir à tentação de fazer o mal. Como Bolsonaro se recusa a fazer o bem, o que é certo, o bolsonarismo julga criminoso tudo aquilo que não concorda com seus crimes. Essa brutal inversão moral promovida pelo presidente está destruindo moralmente o Brasil.

Os moralistas são falsos. Refugiam-se nas religiões para mentir, para defender crimes e para cometê-los. É espantoso que pessoas como Carlos Wizard se apresentem à CPI citando a Bíblia, após terem defendido ações que levaram à morte de centenas de milhares de brasileiros. Seus temas prediletos são Deus, família e a orientação sexual dos outros… Usam essas palavras para mentir, cometer crimes e acobertá-los.

Os moralistas defendem formas sem conteúdo. Convencer pelas formas vazias é o segredo do seu êxito parcial. No discurso dos moralistas não há substância humana. Querem submeter tudo e todos ao juízo do seu formalismo moral falso. Em regra, o líder político desses movimentos moralistas nem sequer acredita na moralidade. Sua mente é psicopática, fria, dissimulada, inescrupulosa, calculista, desprovida de emoções e de empatia. Não age pela ética das convicções e menos pelo senso de responsabilidade ética. Não tem nenhum tipo de constrangimento moral. Embora tenha habilidades em convencer os outros, a mentira e a trapaça são seu modo de ser. Tudo isso se encarna em Bolsonaro.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1165 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE JULHO DE 2021.

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