Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

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Ciro Gomes e uma aula magistral de anticampanha eleitoral

Enquanto o candidato se preocupa em “debater” com um humorista, o tal do “Brasil profundo” vai dando a eleição a Lula

Foto: Mário Miranda/Amcham/Divulgação
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Na esteira dos eventos que culminaram no impeachment de Dilma Rousseff e, ato contínuo, na presidência de Jair Bolsonaro, o MBL fundou uma espécie de tática de comunicação política no Brasil.

Consistia, basicamente, em eleger personalidades públicas e celebridades digitais de esquerda para provocar, ofender e, no limite, desafiar para um “debate” — que, obviamente, nada tinha de debate. O objetivo era usar essas figuras de esquerda como escada para conquistar cotas de visibilidade pública na internet.

Funcionou perfeitamente. Não foram poucas as personalidades de esquerda que, imbuídas de ultraje justificado, morderam a isca e, convertidos em antagonistas, conferiram àqueles moleques pseudoliberais notoriedade pública. A partir dela, o MBL conquistou palanques importantes, espaços e oportunidades na grande imprensa e, como sabemos, cargos eletivos.

Foi exatamente essa a tática que Ciro Gomes e sua campanha resolveram adotar para, enfim, conseguir um debate transmitido ao vivo pelo canal oficial do candidato no YouTube na última sexta-feira 20. Devemos guardar as devidas proporções, afinal, Ciro passa longe de ser uma versão da terceira idade de moleques do MBL. Mas ele conseguiu, é fato, a proeza de se assemelhar por demais às estratégias do movimento, inclusive fazendo provocações e insinuações claríssimas e negadas no tal debate que, de debate em si, nada teve.

Ciro Gomes se sentiu injustiçado por Gregório Duvivier em um dos episódios de seu programa, o GregNews, no qual o humorista teceu críticas ao candidato e pregou um voto útil em Lula em primeiro turno e, por consequência, supostamente, reduzindo as chances de Jair Bolsonaro tentar um golpe. Cirão da Massa “pegou ar” e exigiu, com provocações, a participação de Duviver em uma transmissão em seu canal. O comediante, após algumas provocações e ofensas , resolveu aceitar.

Para quem acompanha e conhece Ciro Gomes, sabe muito bem qual era a sua pretensão: converter a polêmica numa oportunidade para conduzir o evento em seu favor e falar de seu projeto de país e de campanha. É o que Ciro sempre espera em entrevistas, por exemplo. Em 2018, numa oportunidade na GloboNews, lembro-me de situação similar em que seus entrevistadores, ao invés de lhe acionar para discutir os problemas do Brasil, insistiram em discutir sua personalidade e o que esses traços poderiam dizer de sua postura como presidente.

Lembro-me de, à época, ter ficado incomodado com aquilo, e até compadecido com a indignação de Ciro. Até a sexta-feira continuava sustentando esse sentimento. Mas, depois do “debate” em questão, mudei radicalmente de opinião. Ciro Gomes talvez seja o único candidato que apresenta um projeto realmente consistente para um Brasil que precisa, em última instância, de um projeto de médio e longo prazo. Mas nada disso vale, em absoluto, se o condutor desse projeto não mantém uma postura à altura de suas ideias.

Ciro deve ter imaginado que Duvivier serviria de escada para que ele discorresse sobre seu projeto desenvolvimentista. Ledo engano. Duvivier entrou com a faca nos dentes — não para fazer campanha para Lula, mas para se defender, defender seu trabalho e defender a equipe de seu programa. O que seguiu a isso foi um show de horrores: interrupções, troca de farpas, acusações e, no limite, gafes protagonizadas por Ciro, como quando sugeriu que o humorista estaria sendo assessorado por petistas por trás das câmeras, com guias escritos em sua mesa. Duvivier segurou a câmera e mostrou que nada daquilo existia.

Constrangedor. Essa é a melhor definição para o que se viu. E, não. O constrangimento não foi distribuído igual ou desigualmente entre os dois participantes. Não há divisão. Gregório Duviver não é candidato e não precisa de votos para se sustentar e manter seu trabalho. Não pretende ser presidente. Ciro Gomes, ao contrário, precisa de tudo isso, e depende de uma imagem pública positiva para alcançar seus objetivos.

Não é de hoje que a campanha de Ciro, com raríssimas exceções, se resume a um conjunto de estratégias erráticas e, no limite, a amadorismos como o que se viu na sexta. Crer que provocar um humorista lhe renderia algum voto é não apenas desespero, mas uma incompreensão eloquente de seu eleitorado e do eleitor que pretendem conquistar. Por isso, inclusive, buscam no lugar errado há mais de um ano e continuam estagnados em um dígito nas intenções de voto.

Para ter sucesso usando a mesma tática do MBL, não dá para se portar uma mescla de moleque inconsequente com candidato sério. É preciso ser moleque até o fim. Assim como Sérgio Moro não poderia conquistar o eleitorado bolsonarista sendo fascista só pela metade.

Ciro Gomes errou em ser o candidato sério — e acertou muito em ser um garoto do MBL. A grande proeza da campanha de Ciro foi a de criar, contra si, uma bela obra de anticampanha que, certamente, entra para o hall dos casos de fracasso eleitorais que trabalharemos em sala de aula. Grande parte dos recortes servidos para a digestão digital nos dias seguintes se concentraram em mostrar péssimos momentos do desempenho do candidato.

Ao fim e ao cabo, enquanto Ciro Gomes se preocupa em “debater” com um humorista, o tal do “Brasil profundo” que o candidato sempre gosta de lembrar da existência vai dando a eleição a Lula. Brasil. E este “Brasil profundo” segue devidamente alheio ao que Gregório Duvivier tem a dizer. E agora, mais do que nunca, ao que  Ciro Gomes tem a oferecer.

Constrangedor.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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