

Opinião
Chega de selvageria
A violência entre torcidas pede uma urgente tomada de posição dos dirigentes e do Poder Público brasileiros


A excitação dos torcedores no Campeonato Brasileiro, em todas as divisões, vai chegando ao ponto mais alto nestes dias. Vamos, afinal de contas, chegando às disputas determinantes dos primeiros e últimos lugares – embora alguns times já tenham decretada a amargura do rebaixamento.
Nesse contexto, o treinador argentino Eduardo Coudet, do Internacional gaúcho, junta-se ao coro dos que têm se manifestado a respeito do calendário insano do esporte.
Falo com frequência nos efeitos do excesso de jogos sobre os jogadores, mas os treinadores talvez sejam até os que mais sangram nesse processo, especialmente aqueles mais “neuróticos”, que se esfalfam feito loucos e, em todos os jogos, são vistos praticamente “à beira de um ataque de nervos”.
É evidentemente o caso do português Abel Ferreira, à frente do Palmeiras. Mas não só o dele. Para aqueles que vêm de fora e não estão adaptados aos usos e costumes brasileiros, deve ser de fato atordoante se meterem nessa casa de loucos que é o nosso futebol.
Parte da tensão se deve, inclusive, à troca de treinadores a qualquer sequência de resultados negativos. Esse hábito deve ser, para eles, incompreensível.
Vale relembrar o recado deixado por João Saldanha, o mais lúcido dos observadores do futebol brasileiro: “Vão acabar matando a galinha dos ovos de ouro”.
Outro assunto que é desgastante, mas do qual não podemos escapar, é o do descrédito nas instituições e a violência frequente nos estádios.
Tivemos esta semana a notícia de que a Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) entrará em campo para apurar as responsabilidades pelas cenas violentas presenciadas no jogo Brasil vs. Argentina, pelas eliminatórias da Copa do Mundo, no Rio de Janeiro.
Este é um tema do qual não se pode desviar a atenção porque se trata de algo muito grave. Precisamos de um trabalho de formação do público. Talvez seja o caso até de se estabelecer uma campanha massiva, feita pelo próprio Estado.
A abertura da próxima temporada de jogos pode ser uma boa oportunidade para uma tomada de posição. É uma lástima que torcedores de clubes de trajetórias tão semelhantes, como Santos e Botafogo, tenham desempenhado papel vergonhoso depois do último jogo entre ambos.
A briga generalizada entre as duas torcidas aconteceu na Rodovia Presidente Dutra, na altura de Belford Roxo (RJ). Até uma viatura da Polícia Militar, que fazia a escolta dos ônibus dos santistas, foi atacada. Chegou a ter troca de tiros.
Outra manifestação lastimável foi aquela de torcedores do Vasco, que distribuíram cartazes, no entorno de São Januário, com ameaças aos corintianos que vieram ao Rio para ver o jogo da terça-feira 28.
Embora não haja nada que justifique a violência, sabe-se que existem episódios anteriores que motivam essas reações. Daí a necessidade de um pacto nacional entre as torcidas. Chega de selvageria.
Outro tema que se tem mostrado inescapável, na seara futebolística, é o das Sociedades Futebol Empresa (SAFs). Na coluna da semana passada, lembrei das posições independentes dos dois clubes de maior torcida entre nós, Corinthians e Flamengo.
Pois bem, nesta mesma semana, em reunião do Conselho do Flamengo, o atual presidente, Rodolfo Landim, defendeu a transformação do clube em SAF, argumentando que foi por esse caminho que “ganhou dinheiro”.
De quebra, Landim criticou o formato das empresas do Vasco e Botafogo, que levaram os clubes a perder, por completo, a autonomia sobre o futebol.
Sabemos todos que o dinheiro sempre acaba por chegar em todas as atividades que soam como bons negócios. Com o futebol não será diferente.
Mas isso não significa que as SAFs não precisem ser debatidas e regulamentadas. Cabe lembrar, inclusive, que tramita no Senado Federal um Projeto de Lei (PL 2978/23), que altera e acrescenta dispositivos à lei de 2021, que oficializou esse modelo no País.
Nada se comenta, no entanto, sobre outras iniciativas ligadas ao funcionamento do futebol, como os grupos Liga do Forte Futebol (LFF) e Liga Brasileira (Libra).
Outra problemática ligada ao futebol que merece atenção por parte dos nossos legisladores é a dos sites de apostas, que proliferam em quantidade estarrecedora e que podem ameaçar a credibilidade dos nossos campeonatos. •
Publicado na edição n° 1288 de CartaCapital, em 06 de dezembro de 2023.
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