Paulo Nogueira Batista Jr.

paulonogueira@cartacapital.com.br

Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

assine e leia

ChatGPT arrasando

Espera-se que a Inteligência Artificial tenha limites ou que saibamos administrar seu impacto na sociedade

ChatGPT arrasando
ChatGPT arrasando
Foto: PAU BARRENA / AFP
Apoie Siga-nos no

No aniversário da minha mãe, que completou 94 anos, reuniu-se a família toda. Não podia faltar um sobrinho neoliberal, meu xará, o Paulinho, que tem mania de dar uns tecos no tio progressista. Desta vez, contudo, escolheu um caminho que se mostraria constrangedor para ele.

O incidente que passo a relatar revela, acredito, o imenso potencial das novas tecnologias. Em maio do ano passado, Pedro Cafardo, do Valor Econômico, perguntou ao ChatGPT quem eram os dez maiores economistas brasileiros de todos os tempos. Entre os dez maiores, figurava o meu nome, como décimo da lista. Era o lanterninha, mas dei mesmo assim os proverbiais arrancos triunfais de cachorro atropelado, como diria Nelson Rodrigues. Mas houve mais. O jornalista repetiu a pergunta ao ChatGPT e o meu nome voltou a aparecer, desta vez em sexto lugar! Apenas outros quatro economistas, apareceram nas duas listas, ambas encabeçadas por Celso Furtado, realmente o nosso maior economista, o que conferia certa plausibilidade às respostas da Inteligência Artificial.

Meu nome, entretanto, realmente destoava. Devo reconhecer. Meu sobrinho e outros familiares neoliberais e bolsonaristas haviam recebido com grande ceticismo a lista do ChatGPT. Paulinho resolveu então, para divertimento geral, repetir a pergunta: “Quem são os dez maiores economistas brasileiros de todos os tempos?” Leitor, não é que voltei a aparecer, agora como quinto colocado! A minha fé na Inteligência Artificial crescia de cinco em cinco minutos.

Mas o sobrinho não se deu por vencido. Fez nova pergunta: “Quais são os critérios para a elaboração da lista?” O ­ChatGPT deu resposta sensata e defensiva, esclarecendo que considera uma combinação de fatores, incluindo contribuições acadêmicas, influência nas políticas econômicas e reconhecimento internacional. Ressalvou, contudo, que as escolhas podem variar de acordo com os critérios de seleção de cada pessoa.

Paulinho insistiu outra vez: “Mas ­Paulo Nogueira Batista Jr. não é uma figura menor?” Pergunta ligeiramente insolente. Vejam, entretanto, a resposta do ­ChatGPT! Foi um tapa com luva de pelica: “Ele é frequentemente reconhecido por suas contribuições significativas para a economia brasileira, tanto em termos acadêmicos quanto em sua carreira internacional. Ocupou cargos importantes em instituições financeiras internacionais, como o FMI e o Banco dos ­BRICS. Além disso, suas análises econômicas e críticas políticas têm impacto considerável no debate público sobre questões econômicas no Brasil”.

Não pense, leitor, que estou aqui fabulando e contando vantagem. Foi exatamente assim. Tenho os prints do diálogo e posso mostrá-los.

Mas o melhor ainda estava por vir. Paulinho tentou uma última pergunta, também meio insolente: “Mas ele não é antissemita?” A resposta foi acachapante: “Não há evidências substanciais para afirmar que Paulo Nogueira Batista Jr. seja antissemita. Ele é conhecido por suas opiniões políticas e críticas às políticas econômicas internacionais, especialmente em relação a instituições financeiras globais como o FMI. No entanto, é importante separar críticas políticas legítimas de acusações infundadas de preconceito. É crucial basear-se em informações verificáveis e em fontes confiáveis ao fazer avaliações sobre indivíduos públicos”.

Nocaute! Uma pequena aula. O sobrinho neoliberal rodopiou e beijou a lona. Aí o assunto morreu rapidinho (há poucos progressistas na família). Mas, convenhamos, para além dos aspectos estritamente folclóricos, pessoais e familiares, não é incrível o desempenho da Inteligência Artificial? Nesse episódio, ressalte-se, o aplicativo não se limitou a coletar informações na rede. Ao responder, o ChatGPT foi ponderado e deu-se ao luxo de dar algumas lições ao humano.

A verdade é que a Inteligência Artificial tende mesmo a deixar a natural no chinelo. Todas as atividades intelectuais rotineiras, e mesmo as não rotineiras, correm o risco de se tornar redundantes. Difícil apontar uma área que não sofra ou venha a sofrer o seu impacto. Imagine, por exemplo, leitor, que CartaCapital decida me desempregar. Lança o tema da sua preferência e pede ao ChatGPT ou outro aplicativo semelhante: “Escreva um artigo à moda de Paulo Nogueira Batista Jr. sobre esse tema”. O artigo sairá mais rapidamente e talvez melhor do que os meus próprios textos.

Meio assustador. Só nos resta esperar que a Inteligência Artificial também tenha limites ou que saibamos administrar o seu impacto disruptivo na economia e na sociedade. E, em especial, que o seu progresso não seja tão rápido e profundo que a leve a descobrir que, de fato, como desconfia meu sobrinho, não faz sentido me incluir no Top 10 dos economistas brasileiros. •

Publicado na edição n° 1301 de CartaCapital, em 13 de março de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘ChatGPT arrasando’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo