Diversidade

Carla Akotirene: de cordeira do Ilê Aiyê a intelectual festejada

Autora de Interseccionalidade e Ó Paí Prezada!, Carla Akotirene está em ascendência na caminhada que vêm de longe

Carla Akotirene. Foto: Adeloya Magnoni
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“O aplauso é importante para o nosso Ori”. E assim inicio o texto: em palmas transcritas em palavras para a perfilada. Autora de dois livros, doutoranda em estudos feministas, e com uma trajetória inspiradora para mulheres (e homens), é grandiosa a missão da filha de Oxum que carrega a resistência de Makota Irene em seu nome. Ainda como Carla Adriana da Silva Santos, ela trabalhou como cordeira e segurança do bloco afro Ilê Aiyê na década de 90. No sábado, 08 de fevereiro de 2020, retornou à Senzala do Barro Preto como Carla Akotirene, homenageada especial da 41ª Noite da Beleza Negra, ao lado de Maíra Azevedo (Tia Má) e Leo Kret, outros nomes importantes na luta pelos direitos das mulheres negras.

Pesquisadora durante participaçaõ no Enjune (Encontro da Juventude Negra).

Quem lê as obras literárias “O que é interseccionalidade?” ou “Ó Pa Í, Prezada!”, ambas escritas por Carla e publicadas pela coleção Feminismos Plurais, idealizada pela filósofa Djamila Ribeiro, conhecem apenas uma parte do trabalho e da história da filha de Tânia Maria Rodrigues da Silva, trabalhadora ambulante, e Carlos Antônio Santos, aposentado. Desde a infância humilde no bairro da Caixa D’água, em Salvador, quando tinha apenas como amiga a lua – com quem conversa diariamente – a pesquisadora nunca pensou que se tornaria uma intelectual de referência, muito menos homenageada pelo Mais Belo dos Belos. Mas a força do poder ancestral a guiou.

“A guerreira Makota Valdina abriu o jogo para mim e falou da minha missão espiritual”, conta a escritora. Sob orientação da líder religiosa, aos 25 anos Carla herdou como inspiração o nome de Makota Irene (Akotirene), sacerdotisa mulher que prestou assistência aos quilombolas no período de luta abolicionista no Brasil. E qual outra nomenclatura poderia ser dada se não esta para uma mulher que tem como compromisso de vida enfrentar violências a partir da assistência intelectual e espiritual às mulheres em seus escritos e também da profissão como assistente social?.

A sua introspecção na infância e adolescência eram decorrentes de traumas acometidos por violências de parentes e pessoas próximas. “Muitas mulheres já morreram e ainda hoje são ridicularizadas por falarem sozinhas e por terem problemas de saúde mental. Tenho uma família marcada pela ridicularização de mulheres negras. Marcada pela violência”, partilha Akotirene que sofreu violência sexual aos 13 e aos 15 anos. “Isso fez com que eu tivesse uma certa resistência ao lidar com meu corpo e afetividade. E de certa forma negar a presença do homem perto de mim. Tenho essa memória. Vi um homem da minha família [tio] em cima de mim. E ficou impune”.

A dimensão afetiva do cuidado é algo muito importante para Akotirene que encontrou no movimento social, mais especificamente no movimento negro e no movimento de mulheres negras, a oportunidade de construir e externar toda a sua potencialidade. “Fui da primeira turma do Pompa (Projeto Mentes e Portas Abertas), do Instituto Steve Biko, aos 24 anos. Um projeto que apresentou o meu caminho. Makota Valdina me disse nesta formação que eu tinha uma missão espiritual. Conversou com Landê Onawale, o poeta, e pediu que me ajudasse a sair de casa e que só assim eu teria como me desenvolver enquanto pensadora”, revela Akotirene que entre 1998 e 1999 estudou Patologia Clínica no Instituto Anísio Teixeira (IAT), quando ainda não se assumia como negra, como militante.

Carla é autora de Interseccionalidade e Ó Paí Prezada: racismo e sexismo institucionais tomando bonde no Conjunto Penal Feminino de Salvador. Foto: Adeloya Magnoni

Carla tinha feito cursinho pré-vestibular no Steve Biko e no ano seguinte já estava cursando o curso de Serviço Social na Universidade Católica de Salvador (UCSAL), e integrou o Pompa, onde estudou ao lado de outros 21 jovens negros, inclusive Maíra Azevedo (Tia Má).Foram aulas ministradas por nomes como: Joaquim Barbosa, Luiza Bairros, Luiz ALberto, Vilma Reis, Elias Sampaio, Matilde Ribeiro, Fernando Haddad, entre outros. Em Salvador e em Brasília. Akotirene ganhou estruturou sua base e começou a traçar seus caminho como ativista. E justiça de Xangô nunca mais saiu dos seus pés. Hoje, trabalha em sua tese o sistema bankoma e como seria o sistema de justiça brasileiro se tivesse incorporado os valores bantus e não os valores modernos e coloniais. E foi muito o caminhar, pois, como sabemos, os passos das mulheres negras vêm de longe.

Carla esteve envolvida nos seguintes projetos e ações: Núcleo de estudantes negras Matilde Ribeiro; Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra; coordenação de uma campanha nacional contra o extermínio da juventude negra; conferências de igualdade racial, políticas para as mulheres e de juventude, tais como o Enjune – Encontro Nacional de Juventude Negra; pesquisa sobre violência letal e mapeamento de adolescentes e jovens que morrem em unidades de internamento; projeto Escola Plural, do Instituto Ceafro, coordenado por Nazaré Lima, Licia Barbosa, Valdecir Nascimento. E, nos últimos anos, foi professora de uma universidade federal, concluiu o mestrado e criou o Opará Saberes, para contribuir no ingresso de pessoas negras na pós-graduação em universidades públicas.

Ser homenageada na noite da Beleza Negra, não apenas para Carla, mas para todas as homenageadas é um sinônimo de quanto é fundamental investir na população negra. “Para mim é um exercício de valorização. Um exercício de reconhecer o poder de um orixá na vida de uma pessoa. Não tinha a menor pretensão de hoje ser uma escritora, terminando um doutorado que defendo em maio. Eu que durante a minha vida recebi vários convites para trabalhar em prostituição fora do país”, conta e relembra a pesquisadora sobre como a sexualização do seu corpo, enquanto mulher negra, sempre foi uma questão enfrentada.

Na mesma medida que os contextos familiares deixaram marcas irreparáveis, é também neste ambiente que encontra a força. Carla tem os dois irmãos: Sandro e Tairon.  Ambos taurinos, assim como ela, são os seus alicerces para sorrir. Um deles colocou o nome de Carla nas duas filhas, tamanho é o amor. “São meus melhores amigos”. Assim, com afeto, sobreviveu e sobrevive a menina que se refugiava no céu, a adolescente cordeira e a mulher que usa a palavra como instrumento revolucionário e na missão de “incorporar a felicidade como propósito. “Não temos de ter culpa de assumir a nossa potencialidade.  Viemos aqui para criar grandes transformações”, finaliza Akotirene, que motiva outras  meninas, jovens, mulheres negras, a reinarem belas, assim como o Ilê Aiyê nos ensina: “encontrando em suas tranças muita originalidade, pela avenida cheia de felicidade”.

“O aplauso é importante para o nosso Ori”. E assim inicio o texto: em palmas transcritas em palavras para a perfilada. Autora de dois livros, doutoranda em estudos feministas, e com uma trajetória inspiradora para mulheres (e homens), é grandiosa a missão da filha de Oxum que carrega a resistência de Makota Irene em seu nome. Ainda como Carla Adriana da Silva Santos, ela trabalhou como cordeira e segurança do bloco afro Ilê Aiyê na década de 90. No sábado, 08 de fevereiro de 2020, retornou à Senzala do Barro Preto como Carla Akotirene, homenageada especial da 41ª Noite da Beleza Negra, ao lado de Maíra Azevedo (Tia Má) e Leo Kret, outros nomes importantes na luta pelos direitos das mulheres negras.

Pesquisadora durante participaçaõ no Enjune (Encontro da Juventude Negra).

Quem lê as obras literárias “O que é interseccionalidade?” ou “Ó Pa Í, Prezada!”, ambas escritas por Carla e publicadas pela coleção Feminismos Plurais, idealizada pela filósofa Djamila Ribeiro, conhecem apenas uma parte do trabalho e da história da filha de Tânia Maria Rodrigues da Silva, trabalhadora ambulante, e Carlos Antônio Santos, aposentado. Desde a infância humilde no bairro da Caixa D’água, em Salvador, quando tinha apenas como amiga a lua – com quem conversa diariamente – a pesquisadora nunca pensou que se tornaria uma intelectual de referência, muito menos homenageada pelo Mais Belo dos Belos. Mas a força do poder ancestral a guiou.

“A guerreira Makota Valdina abriu o jogo para mim e falou da minha missão espiritual”, conta a escritora. Sob orientação da líder religiosa, aos 25 anos Carla herdou como inspiração o nome de Makota Irene (Akotirene), sacerdotisa mulher que prestou assistência aos quilombolas no período de luta abolicionista no Brasil. E qual outra nomenclatura poderia ser dada se não esta para uma mulher que tem como compromisso de vida enfrentar violências a partir da assistência intelectual e espiritual às mulheres em seus escritos e também da profissão como assistente social?.

A sua introspecção na infância e adolescência eram decorrentes de traumas acometidos por violências de parentes e pessoas próximas. “Muitas mulheres já morreram e ainda hoje são ridicularizadas por falarem sozinhas e por terem problemas de saúde mental. Tenho uma família marcada pela ridicularização de mulheres negras. Marcada pela violência”, partilha Akotirene que sofreu violência sexual aos 13 e aos 15 anos. “Isso fez com que eu tivesse uma certa resistência ao lidar com meu corpo e afetividade. E de certa forma negar a presença do homem perto de mim. Tenho essa memória. Vi um homem da minha família [tio] em cima de mim. E ficou impune”.

A dimensão afetiva do cuidado é algo muito importante para Akotirene que encontrou no movimento social, mais especificamente no movimento negro e no movimento de mulheres negras, a oportunidade de construir e externar toda a sua potencialidade. “Fui da primeira turma do Pompa (Projeto Mentes e Portas Abertas), do Instituto Steve Biko, aos 24 anos. Um projeto que apresentou o meu caminho. Makota Valdina me disse nesta formação que eu tinha uma missão espiritual. Conversou com Landê Onawale, o poeta, e pediu que me ajudasse a sair de casa e que só assim eu teria como me desenvolver enquanto pensadora”, revela Akotirene que entre 1998 e 1999 estudou Patologia Clínica no Instituto Anísio Teixeira (IAT), quando ainda não se assumia como negra, como militante.

Carla é autora de Interseccionalidade e Ó Paí Prezada: racismo e sexismo institucionais tomando bonde no Conjunto Penal Feminino de Salvador. Foto: Adeloya Magnoni

Carla tinha feito cursinho pré-vestibular no Steve Biko e no ano seguinte já estava cursando o curso de Serviço Social na Universidade Católica de Salvador (UCSAL), e integrou o Pompa, onde estudou ao lado de outros 21 jovens negros, inclusive Maíra Azevedo (Tia Má).Foram aulas ministradas por nomes como: Joaquim Barbosa, Luiza Bairros, Luiz ALberto, Vilma Reis, Elias Sampaio, Matilde Ribeiro, Fernando Haddad, entre outros. Em Salvador e em Brasília. Akotirene ganhou estruturou sua base e começou a traçar seus caminho como ativista. E justiça de Xangô nunca mais saiu dos seus pés. Hoje, trabalha em sua tese o sistema bankoma e como seria o sistema de justiça brasileiro se tivesse incorporado os valores bantus e não os valores modernos e coloniais. E foi muito o caminhar, pois, como sabemos, os passos das mulheres negras vêm de longe.

Carla esteve envolvida nos seguintes projetos e ações: Núcleo de estudantes negras Matilde Ribeiro; Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra; coordenação de uma campanha nacional contra o extermínio da juventude negra; conferências de igualdade racial, políticas para as mulheres e de juventude, tais como o Enjune – Encontro Nacional de Juventude Negra; pesquisa sobre violência letal e mapeamento de adolescentes e jovens que morrem em unidades de internamento; projeto Escola Plural, do Instituto Ceafro, coordenado por Nazaré Lima, Licia Barbosa, Valdecir Nascimento. E, nos últimos anos, foi professora de uma universidade federal, concluiu o mestrado e criou o Opará Saberes, para contribuir no ingresso de pessoas negras na pós-graduação em universidades públicas.

Ser homenageada na noite da Beleza Negra, não apenas para Carla, mas para todas as homenageadas é um sinônimo de quanto é fundamental investir na população negra. “Para mim é um exercício de valorização. Um exercício de reconhecer o poder de um orixá na vida de uma pessoa. Não tinha a menor pretensão de hoje ser uma escritora, terminando um doutorado que defendo em maio. Eu que durante a minha vida recebi vários convites para trabalhar em prostituição fora do país”, conta e relembra a pesquisadora sobre como a sexualização do seu corpo, enquanto mulher negra, sempre foi uma questão enfrentada.

Na mesma medida que os contextos familiares deixaram marcas irreparáveis, é também neste ambiente que encontra a força. Carla tem os dois irmãos: Sandro e Tairon.  Ambos taurinos, assim como ela, são os seus alicerces para sorrir. Um deles colocou o nome de Carla nas duas filhas, tamanho é o amor. “São meus melhores amigos”. Assim, com afeto, sobreviveu e sobrevive a menina que se refugiava no céu, a adolescente cordeira e a mulher que usa a palavra como instrumento revolucionário e na missão de “incorporar a felicidade como propósito. “Não temos de ter culpa de assumir a nossa potencialidade.  Viemos aqui para criar grandes transformações”, finaliza Akotirene, que motiva outras  meninas, jovens, mulheres negras, a reinarem belas, assim como o Ilê Aiyê nos ensina: “encontrando em suas tranças muita originalidade, pela avenida cheia de felicidade”.

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