Opinião

assine e leia

Capitais em movimento

As condições monetárias nos EUA definem o fluxo para os emergentes

Capitais em movimento
Capitais em movimento
Foto: Arquivo/Agência Brasil
Apoie Siga-nos no

O planeta anda assustado com os choques de preços dos combustíveis que abalroam as economias de gregos e troianos. Desenvolvidos e emergentes dobram os joelhos diante da saraivada de elevações dos preços dos combustíveis, um insumo que se difunde por todas as instâncias dos sistemas econômicos. (Tenho a impressão que os choques de preços dos combustíveis são mais danosos para a vida dos cidadãos que um aumento de preços da mexerica.)

Os Bancos Centrais recorrem à artilharia pesada da elevação dos juros. Não é improvável que o choque de juros vá prostrar as economias nas baixezas de uma recessão, cuja intensidade não pode ainda ser perscrutada pelos sábios da Ciência Triste.

Vamos recordar: as economias emergentes, no início dos anos 1990, ainda açoitadas pela alta inflação, trataram de vencer suas agruras. Apoiados na abertura financeira e na generosidade dos fluxos de capitais, o Brasil do Plano ­Real e, sobretudo, a Argentina de Domingo ­Cavallo, adotaram regimes cambiais de taxa fixa ou semifixa. Cavalgaram os alazões do Apocalipse para vencer o dragão da Maldade Inflacionária: câmbio valorizado e taxas de juros reais muito elevadas. Quebraram a espinha do dragão inflacionário, mas inflaram os déficits comerciais, os passivos externos e a dívida pública interna. O resultado foi a fragilização do balanço de pagamentos, a crescente imobilização da política fiscal, a subordinação da política monetária e finalmente a fuga de capitais, a crise cambial e o doloroso abandono da “ancoragem”.

No Brasil, a desvalorização do real em 1999 e a adoção de um regime de câmbio flutuante contribuíram, sem dúvida, para a elevação do saldo comercial e para a redução do déficit em conta corrente – um movimento lento entre 1999 e 2001 e mais rápido a partir de 2002. O País acumulou cerca de 380 bilhões de dólares em reservas.

No entanto, até os habitantes de Saturno sabem que os movimentos de capitais dos países credores para os devedores são e sempre foram pró-cíclicos, para desgosto dos que acreditam em Papai Noel ou em modelos mais tolos do que inúteis. Nas economias periféricas, de moeda não-conversível – isto é, com demanda nula por parte de agentes de terceiros países –, a atividade se expande na fase de ingresso líquido de capitais e sofre violentas contrações quando o movimento se inverte, não raro subitamente.

A excelente introdução do recente estudo do Banco de Compensações Internacionais (BIS) – The Transmission of ­Unconventional Monetary Policy to ­Emerging Markets – admite que há consenso a respeito da predominância dos fatores “externos” sobre os fatores internos na determinação dos fluxos de capitais. As condições monetárias nos países desenvolvidos – particularmente nos Estados Unidos, o gestor da moeda reserva – determinam o volume de capitais que buscam os mercados emergentes. Às políticas econômicas “internas” cabe o papel de buscar relações entre câmbio e juros atraentes para os capitais em movimento.

Num ambiente internacional de livre movimentação de capitais, os bancos centrais dos países de moeda fraca encontram dificuldades em manter, simultaneamente, boas condições de crédito doméstico e a estabilidade de sua moeda.

O controle da liquidez em moeda forte é, portanto, crucial para a sempre precária combinação entre estabilidade e crescimento nas economias de moeda não-conversível. Os países periféricos mais bem-sucedidos, como a China, preferiram manter controles seletivos e pragmáticos de câmbio e de capitais. Acumulam reservas elevadas em moeda forte (dólares ou euros) com o propósito de evitar “choques de desvalorização” que possam afetar negativamente a taxa de juro doméstica.

Nas pegadas da globalização financeira, o Brasil manteve por 20 anos uma combinação câmbio-juro hostil ao crescimento da indústria manufatureira e amigável à arbitragem sem risco.

Diante de frequentes episódios de aguçamento da instabilidade cambial, as vozes de sempre descarregaram as culpas sobre os ombros das “condições internas”. Proclamam – sempre e sempre – os danos do “risco fiscal”, exibido como um pecado irremissível. Ignoram que os países de moeda não conversível se dilaceram entre o objetivo de manter a inflação sob controle e o propósito de não danar o crescimento ou colocar em risco a estrutura industrial e, consequentemente, o “arcabouço” de geração de renda e emprego. No Brasil, a derrocada exportadora da indústria faz parceria com a invasão das importações de produtos manufaturados, prenhes de incentivos e subsídios oferecidos generosamente pelos competidores espertos. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1215 DE CARTACAPITAL, EM 6 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Capitais em movimento”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo