Riad Younes

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Médico, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e professor da Faculdade de Medicina da USP.

Opinião

Câncer, um problema crescente entre adolescentes e jovens adultos

Um estudo publicado na revista Lancet Oncology alerta para a doença nesta faixa da população

O câncer se origina em alterações do DNA das células, as chamadas mutações.
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Câncer é doença de velho e de criança. Esta é uma afirmação frequentemente ouvida nos corredores das faculdades de medicina e dos hospitais. Apesar de ser verdade que a maioria dos casos novos de câncer ocorrem em pessoas com idades acima dos 50 anos ou em crianças abaixo dos 10, dados epidemiológicos têm alertado para um problema crescente: novos casos de tumores malignos diagnosticados em adolescentes e jovens adultos, com idade inferior a 40 anos.

Essa faixa etária representa desafios peculiares. Geralmente, são excluídos de programas de conscientização, prevenção e detecção precoce de câncer. Raramente são avaliados em consultas médicas rotineiras e, quando apresentam sintomas, a última hipótese a surgir no raciocínio do médico seria um câncer. Pior ainda: quando diagnosticados com algum tumor maligno, seu tratamento é baseado em estudos científicos e evidências tiradas de pesquisas que, normalmente, incluem poucos casos nessas idades. As recomendações e as rotinas seguem os protocolos dos idosos ou das crianças.

Um estudo mundial recentemente publicado na revista Lancet Oncology alertou para esta faixa da população, principalmente em países de baixa renda. Além de clara deficiência de acesso aos sistemas organizados de saúde, de retardo do diagnóstico e de administração de tratamentos não necessariamente otimizados para as referidas idades, o impacto do câncer na quantidade e na qualidade de vida desses jovens pode ser devastador.

O estudo em questão analisou dados maduros globais da incidência e do impacto de tumores malignos em pessoas com idades entre 15 e 39 anos, a partir de registros mundiais do estudo GBD (Global Burden of Diseases, Injuries, and Risk Factors Study). A primeira constatação é o caráter transitório do tipo de câncer mais frequente nesse grupo de jovens: de leucemias em crianças para os carcinomas dos idosos, além de tumores típicos dessa faixa de idade, como os tumores de testículo.

Apesar de os países de renda elevada e de altos índices sociodemográficos apresentarem as maiores incidências de tumores em pessoas entre 15 e 39 anos de idade, pacientes diagnosticados com câncer tendem a ter mortalidade pela doença significativamente inferior, quando comparados com países de baixos índices sociodemográficos.

Os cientistas apresentaram dados muito interessantes relativos a essa faixa da população, geralmente muito ativa, no início de seu ciclo produtivo e com perspectivas de muitas décadas de vida e de efetiva contribuição para a sociedade. Concentraram grande parte da pesquisa em avaliar a evolução de DALY (Disability-Adjusted Life-Years, ou Anos de Vida Perdidos por Morte Prematura e por Incapacidade).

O diagnóstico de doenças malignas nessa faixa etária pode ser devastador física e psicologicamente, com tratamentos intensos, geralmente agressivos e mutiladores, além de redução de expectativa de vida e elevados DALYs. Estimam os cientistas que haja 14 casos novos por 100 mil habitantes em países de baixos índices sociodemográficos e 54 casos por 100 mil habitantes em países de elevados índices sociodemográficos. Ou seja, mais de 1 milhão de pacientes entre 17 e 39 anos de idade são anualmente diagnosticados com tumores malignos no mundo. Somente em 2019, estima-se que mais de 390 mil adolescentes e jovens tenham perdido a vida em decorrência da progressão de um câncer.

Os pesquisadores alertam que o câncer representa a quarta causa de morte mais frequente nessa população jovem e a décima causa de DALYs. Os dados desse estudo são fundamentais para que as autoridades de saúde e as sociedades de especialistas médicos revejam suas políticas, diretrizes e recomendações focadas nos adolescentes e adultos jovens.

Eles devem ser considerados uma população que merece atenção e abordagem distintas. Recomendam o desenvolvimento de programas de prevenção e de controle do câncer nessa população específica, na tentativa de melhorar a compreensão da biologia dos tumores nos adolescentes e nos jovens adultos, e a possibilidade de melhora substancial de sua evolução, de sua sobrevida e da qualidade de vida física, social e mental.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1198 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Câncer em jovens adultos”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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