Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

Opinião

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Campo conturbado

Uma das maiores contradições do momento é a venda de clubes tradicionais, a preços irrisórios, no movimento puxado pelo modelo das SAFs

Campo conturbado
Campo conturbado
Foto por Odd ANDERSEN / AFP
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Estamos rodeados de eventos esportivos neste mês de julho: o Mundial de Esportes Aquáticos, em Fukuoka, no Japão; o Campeo­nato Mundial de Atletismo Paralímpico, em Paris, na França; e a etapa de Jeffrey’s Bay, na África do Sul, do Circuito Mundial de Surfe.

No futebol, temos o Brasileirão, a Copa do Brasil, a Sul-Americana, a Libertadores e a Copa do Mundo Feminina da Fifa.

Ainda bem que o futebol europeu está parado para as férias de verão. Mas, conforme o encerramento da “janela” no calendário do futebol se aproxima, as transações se aceleram.

E, apesar das cifras árabes estonteantes e da força dos petrodólares, as atenções se voltam principalmente para o futebol americano. Americano?

Pois é, os americanos, aos poucos, se assenhoram também do futebol e, nessa onda, Lionel Messi figura como a atração principal. Mas é fato também que o Inter de Miami vem anunciando, a cada dia, novos nomes para compor a corte do hermano argentino.

A ida do meio-campista Sergio ­Busquets e do lateral Jordi Alba torna inevitável o comentário de que o time está se tornando uma extensão do Barcelona.

Mas trata-se, na prática, de apenas um estágio de jogadores mais experientes que estão fazendo a cama para a construção de um time de expressão mundial. É só uma questão de tempo.

Enquanto isso, o cenário, por aqui, é o mais desencontrado possível, com jogos mil, entremeados por notícias de violência de todo tipo.

Tivemos, na semana passada, o caso do preparador físico do Universitário, do Peru, que foi preso em São Paulo por praticar atos racistas no fim da partida de sua equipe contra o Corinthians, disputada na Neo Química Arena, pela Copa Sul-Americana.

Mas as confusões no nosso próprio quintal são muitas.

Uma das maiores contradições que vivenciamos neste momento é a venda de clubes tradicionais, a preços irrisórios, no movimento puxado pela aprovação do modelo da Sociedade Anônima do Futebol (SAF).

Há um bom tempo, em conversa com o senador e ex-jogador Romário (PL-RJ), manifestei a preocupação de que, no rastro das primeiras vendas de clubes por todo o Brasil, fosse se formando uma “buraqueira” de outros, comprados sem garantias sólidas.

Agora, fiquei ainda mais “encucado” com isso. É que vieram à tona as notícias sobre o momento vivido pelo América de São José do Rio Preto, cidade próspera do interior paulista.

De início, a reportagem do Globo ­Esporte falava em um movimento de torcedores fazendo uma “vaquinha” para a compra de alimentos e itens básicos de sobrevivência para os jogadores do time, que luta para não ser rebaixado da chamada “Bezinha” (de Série B) – uma das subdivisões da complicada engenharia dos campeonatos de São Paulo.

A iniciativa parecia promissora porque se falava em destinação apenas para a sobrevivência física do elenco, sem víveres nas prateleiras. Ou seja, ficava subentendido que os salários não pagos eram obrigação dos dirigentes.

Como uma das intenções dos torcedores é que seu time chegue ao final do campeonato sem ser rebaixado, fui longe na imaginação e já vislumbrei um cenário no qual os torcedores se organizassem a ponto de assumir o clube em novo modelo de administração.

O América foi um time que marcou a minha infância. Comecei a frequentar estádios de futebol ainda em Marília, cidade de onde saí entre 9 e 10 anos e cheguei a ver jogos em São José do Rio Preto.

Lembro-me do América, com sua camisa vermelha vibrante, e o brilho fascinante dos jogadores suados sob os domingos ensolarados. Eu ficava inebriado pelo cheiro forte de Iodex, que os massagistas usavam na época.

Tive meu primeiro ídolo na figura do Valtinho, um meia-armador de camisa 10 que tratava a bola com a mesma paixão que eu sentia por aquela esfera mágica.

A cidade só conheci de passagem, mas acompanhava seu desenvolvimento e tinha a esperança de ver o América subir para a divisão principal. O sonho, pelo visto, acabou.

Mas nem só de futebol vive o esporte e temos outras coisas a comemorar, como a vaga olímpica em Paris 2024, conquistada pelo surfista brasileiro Filipe Toledo, na África do Sul.

Uns sonhos acabam, outros começam. •

Publicado na edição n° 1269 de CartaCapital, em 26 de julho de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Campo conturbado’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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