

Opinião
Caminhos para o fortalecimento da democracia brasileira
Os problemas da democracia brasileira vão além de uma simples falta de compromisso com a democracia, são mais profundos e sistêmicos


por Sara Clem, analista de pesquisa do Instituto Sivis
A preocupação com o desempenho da democracia é uma questão global. Diversos índices buscam mapear os principais desafios e oportunidades no desenvolvimento das democracias ao redor do mundo. Nos últimos anos, pesquisas têm destacado uma tendência de desconsolidação democrática, observada tanto em países onde a democracia era considerada consolidada, como em nações europeias, quanto em países que passaram por processos de redemocratização durante a chamada “Terceira Onda Democrática” a partir dos anos 1980. Um dos fatores que contribuem para essa desconsolidação é a ascensão de líderes autoritários, frequentemente eleitos de forma democrática, que utilizam as instituições democráticas para atender a interesses próprios. Além disso, muitos cidadãos se sentem desconectados da política e acreditam que suas vozes não são ouvidas, o que resulta em baixa confiança nas instituições e reduzidos níveis de participação política.
No caso do Brasil, os últimos índices de democracia, como o V-DEM e o The Democracy Index, consistentemente classificam o país como uma democracia falha ou meramente eleitoral. Isso significa que, embora o Brasil tenha instituições democráticas e siga alguns processos formais, ainda há deficiências em aspectos como participação política, inclusividade e cultura política. Até 2021, de acordo com o relatório da V-DEM, o Brasil era visto como um país em processo de autocratização, mostrando sinais de melhora apenas em 2023. A resiliência democrática no país deve-se ao fato das instituições democráticas ainda estarem cumprindo seus papéis, embora com problemas, além de contar com uma sociedade civil atenta e ativa.
No entanto, os problemas da democracia brasileira vão além de uma simples falta de compromisso com a democracia, são mais profundos e sistêmicos. Em 2021, o Instituto Sivis realizou um projeto, intitulado Rotas para Cidadania, com mais de 30 especialistas e organizações nacionais. O objetivo foi compreender o que fortalecia e inibia o fortalecimento da democracia no Brasil. Através de uma metodologia intitulada “prática sistêmica”, a pesquisa realizou um diagnóstico da democracia brasileira, na qual identificou os principais elementos que enfraquecem nossa democracia.
Dentre eles, destacam-se a apropriação do espaço cívico por interesses privados, o que afasta os cidadãos dos mecanismos de participação política; a crescente desconfiança em relação às instituições democráticas; e a persistência de práticas patrimonialistas e clientelistas que alimentam a corrupção e a impunidade, gerando uma sensação de ineficácia entre a população. Além disso, no que se refere à participação social, a vida comunitária é geralmente subaproveitada, os brasileiros apresentam níveis cada vez mais baixos de confiança interpessoal, o que enfraquece as relações sociais cotidianas. Esse cenário também prejudica o diálogo democrático em um ambiente marcado por alta polarização tóxica, onde a abertura para novas ideias, o diálogo e a liberdade de imprensa são continuamente desvalorizados, enfraquecendo o debate público.
Diante desse cenário, quais são os caminhos para fortalecer a democracia? Para problemas sistêmicos, as soluções também precisam ser sistêmicas. O fortalecimento das instituições democráticas depende de uma cultura capaz de nutrir e sustentar essas instituições. Por isso, a promoção de valores democráticos, como o diálogo, a tolerância, a igualdade, a dignidade humana e a liberdade, são fundamentais.
O foco na educação é um dos elementos que podem gerar um efeito cascata positivo. Trata-se de uma educação voltada para a formação integral do cidadão, que não apenas ensine conhecimentos políticos, mas também valorize práticas cidadãs e promova valores democráticos. Isso inclui, por exemplo, o letramento midiático. Uma verdadeira mudança cultural só é possível com investimento adequado.
Portanto, para lidar com os desafios da desconsolidação democrática, que ocorre em nível global, é preciso encarar o fortalecimento da democracia a partir de uma perspectiva sistêmica e cultural. É necessária uma cultura política que vá além das instituições formais. Investir em educação cidadã e na promoção de valores democráticos, como o diálogo e a tolerância, é essencial para formar cidadãos engajados e críticos, capazes de contribuir para um futuro democrático mais resiliente. Somente com ações estruturadas e contínuas será possível enfrentar os desafios sistêmicos e garantir uma democracia realmente saudável.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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