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Alberto Villas
[email protected]Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'
Depois de muitos anos, tive de ir a uma agência bancária para tirar aquele documento que o Imposto de Renda exige
Fazia anos, anos mesmo, que eu não entrava numa agência bancária. Bem antes da pandemia, eu passei a não ir, assim que os bancos não aceitavam mais pagamento de condomínio, luz, gás, telefone. Não tinha mais o que fazer ali.
Enquanto todo mundo já pagava suas contas pelo celular, eu ainda saía de casa, pegava a Rua Clélia e ia pagar os boletos no banco. Não me importava com a fila, porque ouvia coisas que sempre alimentavam minha escrita.
Na semana passada, eu precisei voltar ao banco. Não estava conseguindo tirar pelo aplicativo aquele documento que o Imposto de Renda exige. Resolvi ir lá.
Antes de passar pela porta constrangedora, o segurança perguntou o que eu ia fazer no banco. Contei a ele do documento e a porta foi destravada.
Estranhei.
No lugar onde sentavam quatro mocinhas, tinha apenas uma e os computadores ao lado dela pareciam adormecidos, cobertos com uma capa de plástico preta.
Não tinha ninguém na fila, o que também estranhei. Falei com a única funcionária sobre o documento e ela balançou a cabeça, desolada:
– Estamos sem sistema.
E ela não tinha a menor ideia – claro – de quando o tal sistema ia voltar. Ou se ia voltar um dia.
Na mesma hora me veio à cabeça uma velha canção de fossa (acho que hoje chamam de sofrência) cantada pela Maysa: Meu mundo caiu!
Não tinha o que fazer, a não ser voltar pra casa. Como já eram três e tanto da tarde e eu ia passar na porta da padaria que recebeu aquele quadro na parede dizendo que ganhou o melhor pão francês de 2023, resolvi comprar uns, quentinhos, pra fazer o lanche em casa.
Pra entrar na padaria, foi preciso pegar uma plaqueta de plástico, enfiar numa máquina, esperar a luzinha passar do vermelho pro verde e empurrar a catraca.
Acabou aquela coisa de entrar na padaria do bairro e dar “bom dia, padeiro”. Fiquei imaginando que muito em breve, para comprar o pãozinho, vai ser preciso entrar no aplicativo, colocar a senha, entrar na sua sua conta, escolher o pãozinho, colocar o número do cartão, agendar a retirada e pronto.
Isso, se o sistema não cair.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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