Marcos Coimbra

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Sociólogo, é presidente do Instituto Vox Populi e também colunista do Correio Braziliense.

Opinião

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Cadáver insepulto

Bolsonaro já perdeu as eleições, nunca teve real chance de vencê-las. O que conseguirá fazer, em 90 dias, o que não fez desde que Lula retornou ao páreo?

Foto: EVARISTO SA / AFP
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A menos de cem dias da eleição, todas as pesquisas apontam para o mesmo resultado: Bolsonaro vai perder. Mais exatamente, já perdeu. É um morto-vivo, um ente que perambula por aí, assustando as pessoas enquanto não o enterram. Lula pode encomendar o terno da posse.

O capitão nunca teve chance real de vencê-lo, como ficou claro desde a primeiríssima pesquisa realizada após o ex-presidente recuperar os direitos políticos. A rigor, desde antes, como mostrou, em fevereiro de 2021, pesquisa do Ipec a respeito do potencial de voto dos candidatos: Lula poderia alcançar 50% dos votos, considerando os entrevistados que votariam com certeza ou poderiam votar em seu nome. Abaixo, estava Bolsonaro, com 38%. Mesmo proibido de concorrer, Lula era o favorito.

Quando voltou ao jogo, o cenário ficou mais claro. Em junho, outra pesquisa do Ipec apontou que realizava seu potencial: estava com 49% das intenções de voto. Quanto ao capitão, não passava de 23%, apenas 60% do que poderia obter. Alcançar seu potencial era difícil, pela relutância de muitos de seus possíveis eleitores. Sem falar na pedreira que teria que escalar para se aproximar do petista. Só um milagre tornaria Bolsonaro competitivo e esse milagre não aconteceu. Milagre ou golpe.

Jamais o capitão foi páreo para Lula. Em agosto de 2018, a 40 dias da eleição, Lula tinha 39% das intenções de voto no Datafolha, mais que o dobro do adversário, com 19%. Encarcerado em Curitiba havia cinco meses, amordaçado, proibido de conceder entrevistas, tratado pela imprensa como derrotado, Lula dava um baile em Bolsonaro.

De 2021 para cá, em cenários de primeiro turno, o petista nunca esteve aquém de 50% dos votos válidos, considerado o conjunto das pesquisas presenciais publicadas – aquelas que devem ser consideradas. Apenas em setembro de 2021, na média das pesquisas, Lula esteve com 47% dos votos válidos. Não por acaso, o mesmo período em que Bolsonaro chegou a seu mínimo, com 26% dos válidos. Quem não se lembra do festival armado pela elite para empinar a candidatura de Moro?

Em dezembro, quando o ex-juiz já esfarelava, Lula estava de volta a 53% dos votos válidos e Bolsonaro permanecia com 26%. Subiu lentamente daí em diante, até chegar, em abril, aos 33% que tivera pré-Moro e mantém nas pesquisas recentes. De onde se deduz que não é verdadeira a hipótese de que o capitão tenha crescido, nos últimos meses, por alguma coisa que ele ou o governo fizeram.

Tudo foi à toa: os bilhões torrados em “auxílios”, os mundos e fundos distribuídos a aliados, os latidos dos miliquinhos palacianos, a campanha incessante País afora. O máximo que conseguiu foi reaver os pontos perdidos para Moro e que iriam mesmo para ele em um segundo turno. Alguém (com um mínimo de bom senso) supõe que Bolsonaro é capaz de reverter, no que lhe resta de tempo, o imenso favoritismo de Lula? O que poderá fazer, em 90 dias, o que não fez desde abril de 2021?

O que imaginam os “analistas” e “comentaristas” espalhados nas redações, escritórios de consultoria e departamentos econômicos de bancos, quando mantêm a ficção de que Bolsonaro pode ganhar? Pensam que guarda na manga uma jogada imbatível (como o Plano Real, em 1994), capaz de promover, em três meses, uma reviravolta na eleição? Acreditam, de fato nisso, ou apenas torcem para que seja verdade?

Alguém acha que o lamentável governo do capitão se tornará a Cinderela dos trinta e poucos dias de horário eleitoral gratuito? Que, entre 26 de agosto e 29 de setembro, o eleitorado ficará encantado com Bolsonaro, ouvindo maravilhas a seu respeito, e aterrorizado com Lula? Que dezenas de milhões de pessoas permanecerão grudadas nos televisores e aparelhos celulares, aguardando a conversinha e as mentiradas de um cidadão em quem quase ninguém confia?

Bolsonaro já perdeu a eleição, pelo que é, fez e deixou de fazer ao longo de três anos e meio. É falso dizer que, como candidato, ainda está vivo. Lula o derrotou. Podemos apostar que ele e sua gangue, fardada ou não, virão com ataques, bandalheiras e violências, pois é a única coisa que sabem fazer. Na democracia, no entanto, já eram. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1215 DE CARTACAPITAL, EM 6 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Cadáver insepulto”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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