Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

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Cachorro louco

Dentro e fora dos campos, o velho ditado “agosto, mês do cachorro louco” parece mais válido que nunca

Cachorro louco
Cachorro louco
Foto: Nigel Roddis / AFP
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Neste momento tumultuado atravessado pelo mundo e, em especial, pelo Brasil, neste período pré-eleitoral, me voltou à cabeça o velho ditado ouvido desde a infância: “Agosto, mês do cachorro louco”. Tudo a ver. Durante um bom tempo, pensei que esse fosse um ditado muito comum. Consultando pessoas próximas vi, no entanto, que não é tão conhecido assim.

Deve ser coisa do interior, do tempo em que, nesta época do ano, havia surtos de raiva entre os cachorros. Mas o dito me parece muito apropriado para os dias que estamos vivenciando. E tenha a frase algum sentido ou não, o fato é que o mês de cachorro louco está aí, e não se pode dar a chance de que sirva de pasto aos celerados que começam a dar mostras de suas intolerâncias doentias.

O clima pesado manifesta-se em todos os ambientes. E não poderia ser diferente entre os torcedores que buscam, no conforto de seus grupos, o ânimo para desabafar e botar para fora as emoções represadas no dia a dia de tantas dificuldades. Nem mesmo entre os torcedores do mesmo time a tensão parece possível de ser contida. Isso se evidencia nas cenas tristes vistas, estes dias, nas torcidas de alguns clubes.

Desta vez foi uma torcida do Paraná que ficou sem um dos seus líderes, que acabou pisoteado pelo cavalo da Polícia Militar durante um tumulto nas cercanias do estádio. A partida, entre o Santa Quitéria e o Fortaleza, times do futebol amador, terminou com três pessoas feridas. Nada a ver com o que deveria ser um espetáculo de futebol.

No futebol profissional, quando a bola volta a rolar, temos de tudo: do início do segundo turno do Brasileirão, que segue primando por sua irregularidade, à reabertura dos campeonatos da temporada europeia.

Na Europa, a expectativa maior, depois das transações da janela de transferência, é mesmo para a evolução do Paris Saint-Germain (PSG), que manteve em seu time Messi, Neymar e M’Bappé, sem falar nos outros astros.

No papel, o PSG segue sendo o melhor time do mundo neste ano que tem, no meio do caminho, a Copa do Catar.

Entre nós, a temporada vai se encaminhando para as fases finais da Copa do Brasil, da Libertadores e de outros campeonatos nas várias séries, faixas de idade e no futebol feminino – nossa seleção venceu a Colômbia, conquistando a Copa América Feminina pela oitava vez e classificando-se para a Olimpíada e o Mundial.

No vaivém dos jogadores, enquanto se esgotam os prazos e seguem os horrores da guerra na Ucrânia – que têm reflexos sobre a movimentação de jogadores –, o arranjo provisório mexe também nos clubes brasileiros.

As confusões têm sido grandes entre clubes e jogadores, a começar pela rebeldia no grandioso Manchester ­United. Em um amistoso de preparação, alguns jogadores abandonaram o campo. Após ser substituído no intervalo, sem ter marcado gol, Cristiano Ronaldo foi um dos que deixaram o Old Trafford antes do fim da partida. Por aqui, comenta-se, com insistência, o interesse do Flamengo pelo craque português – na prática, já desligado do clube inglês.

A encrenca repete-se no francês Olympique de Marseille, com a revolta coletiva dos jogadores contra as medidas impostas pelo técnico croata Igor Tudor, contratado para a nova temporada, mas que, pelo jeito, não vai durar muito.

Quando o problema é com um ou ­outro, vá lá, mas, quando desagrada à maioria, sobra para o treinador que, às vezes, cai na ilusão de ter respaldo da direção. Outras vezes, trata-se de figuras autoritárias mesmo – algo que não é incomum.

Também por aqui começa a haver, novamente, uma reação dos jogadores contra atitudes consideradas arbitrárias da parte das direções dos clubes. Algumas reações individuais, tornadas públicas, devem aumentar e fazer eco àquelas contra projetos em trâmite no ­Congresso Nacional que minam direitos dos desportistas profissionais.

Outros acontecimentos do esporte nos últimos dias que exigem reflexão cuidadosa são os casos da contratação do lateral-direito Marcinho pelo Bahia, e a demissão por justa causa de Renan, jogador do Palmeiras emprestado ao RB Bragantino.

No caso do primeiro atleta, a repercussão negativa deu-se pelo fato de o jogador, de 26 anos, ser réu em um processo por atropelamento. O segundo caso também envolve um atropelamento. Renan teve o contrato rescindido após se envolver em um acidente com morte. A reação, da parte da equipe, deve-se, sobretudo, ao fato de o jogador ter sido formado desde os 11 anos de idade. São ambas situações muito delicadas. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1220 DE CARTACAPITAL, EM 10 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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