Luiz Gonzaga Belluzzo

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Economista e professor, consultor editorial de CartaCapital.

Opinião

Breno Lopes, o futebol e a vida

Os enganos e desenganos quase sempre nascem da suposição ilusória que coloca os autoempoderados em um estágio superior aos pobres humanos

O jogador Breno Lopes, atacante do Palmeiras. Foto: Mauro Pimentel/AFP
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O tempo de jogo chegava aos 51 minutos da segunda etapa (assim dizem os locutores) quando Breno Lopes acertou as redes do Goiás. O palestrino que ora vos fala já empunhava o controle da TV, prestes a desligar o aparelho, aborrecido com o empate medíocre. Depois de criticar acerbamente duas pixotadas de Breno, comemorei e desliguei a TV.

No dia seguinte, ao consultar as mídias, não fiquei surpreso com as matérias que registravam a reação de Breno diante das vaias que recebera antes de sua proeza.

Li no UOL: “Breno Lopes marcou o gol da vitória nos minutos finais do jogo e na comemoração provocou a própria torcida, correndo em direção às organizadas e colocando as mãos no ouvido em uma espécie de resposta às vaias. Ele ainda mostrou rapidamente o dedo do meio das mãos e foi contido por Luan e Weverton.

O UOL apurou que Breno ficou muito abalado no vestiário após entender a dimensão de seu erro. Ele foi acolhido pelos demais jogadores do elenco e pelo técnico Abel Ferreira. “A reportagem também soube que Breno Lopes irá se desculpar com todos os torcedores ao longo do dia de hoje por meio de suas redes sociais.”

Também fiquei muito irritado ao tomar conhecimento dos gestos do Breno Lopes. Mas, ensinam meus mestres jesuítas: Cristo, ao se aventurar na encarnação, assumiu a condição humana, sempre sujeita a erros, enganos e desenganos.

Depois da encarnação, a escatologia judaico-cristã sofre uma transmutação: o tempo adquire uma dimensão histórica. Cristo trouxe a eventualidade da salvação. Cabe à história coletiva e individual realizar essa possibilidade oferecida aos homens pelo sacrifício da cruz e pela ressurreição. Disse o Papa Francisco: “Não nos é pedido que sejamos imaculados, mas que não cessemos de melhorar, vivamos o desejo profundo de progredir no caminho do Evangelho, e não deixemos cair os braços”.

Em um artigo sobre João XXIII, lamentei que homens e mulheres de hoje falam descuidadamente da herança judaico-cristã como se seus valores estivessem desde sempre incrustrados na nossa natureza, se é que temos uma. O cristianismo – o mistério libertador da Encarnação – foi um divisor de águas na história da humanidade, um movimento revolucionário, nascido das crueldades e das sabedorias do mundo greco-romano.

Vamos perdoar e acolher Breno Lopes, assim como Breno deveria perdoar os apaixonados torcedores palmeirenses. Reza o Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia”. Perdoar enriquece o espírito dos homens falíveis. O Espírito Palestrino foi enriquecido quando Breno usou a cabeça para assinalar o gol que nos deu uma Libertadores.

No futebol, como na vida, os enganos e desenganos quase sempre nascem da suposição ilusória que coloca os autoempoderados em um estágio superior aos pobres humanos. Enquanto os pobres humanos se movem na planície, os bacanas simulam se aboletar nos píncaros do Himalaia.

Participar de um clube de futebol não é tarefa para bacanas sabichões. Os sabe-tudo acabam cometendo erros fatais. Em minha existência palestrina de 75 anos, presenciei episódios patéticos de fracasso da soberba. O ambiente do futebol é traiçoeiro. As reverências que os cartolas imaginam prestadas às suas inigualáveis personalidades são, na verdade, dirigidas ao clube, o objeto da paixão.

A grande virtude do Abel Ferreira é o cuidado com as relações humanas que frequentam os vestiários. As manifestações de outros jogadores a respeito do episódio Breno Lopes revelam a importância dessa forma de trabalho.

Abel, Rafael Veiga e Weverton falaram sobre Breno Lopes.

Falou Abel: “Sou o primeiro a errar e o importante é que o Breno fez o gol da vitória, que era o que precisávamos. O primeiro a cometer erros sou eu, fui expulso algumas vezes por não controlar minhas emoções. Se bem que acho que estou diferente, bem melhor nesse aspecto, mas isso faz parte do futebol, as emoções”.

Raphael Veiga: “Breno sempre trabalhou, um cara que é muito de grupo, se dedica, ajuda a gente como já ajudou em muitas vezes, decidiu o título da Copa Libertadores. Foi uma decisão de segundos que fazemos coisas que não queríamos, e depois vamos ficar com vontade de chutar a trave de raiva”.

Weverton: “Não só Breno, mas todos os jogadores têm muito respeito pela torcida. A gente tem parceria incrível, torcedor sempre presente. Breno comemorou, desabafou, mas não pode jamais falar de desrespeito. Torcedor sabe o quanto a gente se entrega. No final, é tudo por eles, que se sintam bem. Hoje foi um grande gol do Breno, que nos deu três pontos”.

Diante dos testemunhos do técnico e dos jogadores, não devo recusar a reapresentação do texto que escrevi na quinta-feira 3 de novembro de 2022. Felizes com a décima primeira conquista do Brasileirão, os palestrinos celebravam as palavras de Ademir da Guia, o Divino, em um vídeo comemorativo. Como faria em campo, o Divino driblou o zagueiro adversário com o corpo e colocou gentilmente a bola nas redes, como quem pousa um beijo no rosto da amada:

“Eu enxergo no Palmeiras atual a arte da Primeira Academia com a solidez da Segunda, jogamos para a frente, mas sem nos descuidarmos da retaguarda. Nossa força é o grupo num mundo onde o individualismo vem ditando as regras em diferentes setores da sociedade. O Palmeiras dá mais uma aula. Ensinamos desta vez sobre a importância da união. Mostramos que os objetivos coletivos estão acima dos objetivos individuais. Provamos que, quando o ego fica em segundo plano, o céu é o limite”.

Para encerrar, relembro um episódio histórico do espírito ítalo-brasileiro que frequenta nossas carcaças humanas e palestrinas.

Menino, neto de imigrantes vênetos e calabreses, vivi, na voz de Pedro Luiz, a emoção do gol de Liminha conta a Juventus de Turim em julho de 1951, já no ocaso do segundo-tempo. A Copa Rio não foi uma conquista do time de imigrantes diante da poderosa Juventus, senhora dos campos de nossos antepassados. Essa banalidade não nos interessa. Vou contar a verdade: naquele minuto, não éramos palmeirenses, éramos brasileiros que acordavam do pesadelo da derrota de 1950. Nelson Rodrigues, por exemplo, sabia: milhões de torcedores saíram às ruas do Brasil para exorcizar o complexo de vira-lata, gravado na alma nativa pela incrível derrota para o Uruguai.
Oito anos antes, o time dos carcamanos havia sido obrigado a trocar o nome Palestra Itália para Sociedade Esportiva Palmeiras. O velho Palestra, o novo Palmeiras exibia naquela final memorável a bandeira brasileira acima de seu escudo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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