

Opinião
Brasília e as cidades
As eleições municipais realinham as forças para a disputa nacional daqui a dois anos e indicam a criação de um espaço de governabilidade para o Executivo, o Legislativo e o Supremo


Ainda que a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos possa repercutir na política brasileira, fortalecendo movimentos de extrema-direita e influenciando o cenário eleitoral em benefício de candidatos ideologicamente alinhados às estratégias e discursos antidemocráticos, o recado das eleições municipais em terras tupiniquins é outro. O desempenho do PSD, para ficar só nisso, gritou que a direita que saiu fortalecida não foi a bolsonarista. Se a esquerda ainda não se recuperou da debacle eleitoral à qual a Operação Lava Jato a submeteu, tampouco a extrema-direita vive seu melhor momento. O desempenho do PL foi inferior ao esperado e menos da metade dos candidatos apoiados por figuras proeminentes da extrema-direita se elegeu.
As eleições municipais desempenham um papel significativo na configuração do cenário político nacional, especialmente no que tange às eleições legislativas e à dinâmica das alianças partidárias. Embora o desempenho de partidos nas eleições municipais não se traduza diretamente em sucesso nas eleições presidenciais, sinaliza tendências políticas e reorganiza as forças partidárias. O avanço de partidos de centro-direita nas eleições municipais pode, portanto, influenciar as estratégias de Lula e Bolsonaro para 2026. O controle de prefeituras, ademais, pode beneficiar partidos nas disputas para o Congresso Nacional. Prefeitos atuam como cabos eleitorais, facilitando a eleição de deputados ao mobilizar recursos e apoio local, o que fortalece a presença partidária no Legislativo, influenciando a governabilidade.
Os resultados das eleições municipais de 2024 indicam o restabelecimento de uma direita moderada, enquanto legendas tradicionais da esquerda e centro-esquerda ainda enfrentam desafios para manter ou ampliar suas representações no Legislativo Nacional. Os partidos de extrema-direita também podem enfrentar desafios para ampliar suas bancadas no Congresso Nacional nas próximas eleições gerais. Se ainda não é possível saber muito sobre os destinos da Presidência da República, dá para prever que a próxima legislatura deverá ter perfil conservador, embora não necessariamente golpista.
Se por mera distração, em um exercício de futurologia, considerando que a taxa de sucesso para presidentes que buscaram a reeleição no País é de 75% (só Bolsonaro não se reelegeu desde a redemocratização), imaginarmos que Lula renove seu mandato, teríamos diante de nós um cenário ainda desafiador, em termos de governabilidade, mas bastante manejável, do ponto de vista democrático. Isso tudo sob o panorama em que o Supremo Tribunal Federal, que não sofre inflexões eleitorais diretas, se reposiciona em face da nova correlação de forças que configura as relações entre os poderes da República.
A influência do STF na governabilidade brasileira é sobejamente documentada nos dias que correm. Não convém disputar. Também não faltam registros da tensa interação entre o tribunal e o Congresso Nacional, que se renovou, recentemente, nas mobilizações parlamentares da pauta da anistia dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. O foco da tensão entre o STF e o Congresso já envolveu, contudo, decisões sobre temas sensíveis que desagradam à ala de extrema-direita da Câmara dos Deputados, como a descriminalização do porte de maconha e a rejeição da tese do marco temporal. De outra banda, a suspensão das emendas parlamentares por decisão do ministro Flávio Dino atraiu um novo grupo de parlamentares, ligados a uma direita mais moderada na Câmara, às dinâmicas de reação ao desempenho do STF, desencadeando movimentações legislativas para restringir os poderes dos ministros e ampliar as possibilidades de impeachment.
O acordo que se seguiu, envolvendo representantes do Executivo e do Legislativo, arrefeceu os ânimos e restabeleceu a possibilidade de resolver impasses e aprimorar a governança pública por meio do diálogo entre os Poderes. Esta é a dinâmica que tende a se estabelecer à medida que a extrema-direita minguar e alguns de seus parlamentares submergirem.
Em suma, as urnas de 2024 realinham forças para 2026 e indicam a criação de um espaço de governabilidade em que Executivo, Legislativo e o Supremo podem cooperar para a estabilização da democracia, em que as tensões institucionais, longe de esgarçá-la, servem para renová-la. •
Publicado na edição n° 1336 de CartaCapital, em 13 de novembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Brasília e as cidades’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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