Opinião

Brasil, um país de classe média?

Com metade das famílias ganhando menos de R$ 3,4 mil reais, falar em “país de classe média” é inapropriado

Brasil, um país de classe média?
Brasil, um país de classe média?
(Foto: iStock)
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Desperta controvérsias uma recente reportagem do jornal O Globo, baseada em cálculos estatísticos da Tendências Consultoria, que afirma que o Brasil voltou a ser um país de classe média. A primeira é se, em algum momento, o Brasil foi de fato um país de classe média e, portanto, estaria “voltando” para uma posição que nunca ocupou. A noção de classe média usada no estudo deriva de uma estratificação da população por renda, sendo útil para estudos mercadológicos, perfis de consumo e uma análise inicial da distribuição de renda e mobilidade social. Uma discussão mais aprofundada sobre classe média e mobilidade entre classes requer, contudo, no âmbito da economia política, a consideração da estrutura ocupacional, níveis de educação da população, suas configurações e assimetrias.

De qualquer forma, as tabelas elaboradas pela Tendências e reproduzidas por O Globo trazem informações que merecem análise. Há dois períodos de comparação importantes, tomando como referência o início do governo Lula 3: o auge dos ganhos sociais dos governos petistas, no triênio 2012/2014, e o período dos governos Temer-Bolsonaro (2017-2019), excluindo os anos mais afetados pela pandemia. A análise utiliza médias desses períodos.

Na base da pirâmide, nota-se que, apesar da redução da classe D/E no governo Lula 3 em relação a Temer-Bolsonaro (0,7 p.p.), o patamar alcançado está longe do registrado no auge dos governos petistas. De qualquer forma, o Bolsa Família e a política de valorização do salário mínimo — via indexação do BPC e aposentadorias — contribuíram para o resultado. Contudo, com 50% dos domicílios com renda abaixo de  3,4 mil reais, falar em “país de classe média” é inapropriado.

A classe C, onde predominam trabalhadores desqualificados e informais, apresentou desempenho ruim. Sua participação atual (30,8%) está abaixo dos 33,6% de 2012/2014 e dos 31,7% do período Temer-Bolsonaro. É intrigante que isso ocorra mesmo com um crescimento médio de 3% nos últimos três anos. A mobilidade social da classe D/E para a C deveria ser impulsionada pelo crescimento econômico, mas a desarticulação e desregulação do mercado de trabalho parecem ter cobrado seu preço.

Já a classe B, mais próxima do conceito tradicional de classe média, apresentou desempenho estável, com variações menores: 0,3 p.p. a menos que no auge petista e 0,7 p.p. a mais que em 2017/2019. Essa estabilidade reflete o menor impacto do ciclo econômico na geração de empregos desse segmento e o peso de mudanças estruturais.

No afã de sustentar suas teses, o estudo e a matéria cometem alguns equívocos. Mesmo somando as classes C e B, chamando-as de “classe média” (o que é conceitualmente impreciso), o agregado diminuiu no governo Lula 3 em relação aos períodos anteriores.

Curiosamente, a classe A se ampliou nos dois períodos de comparação. Como os juros são incorporados ao conceito de renda domiciliar, isso sugere que as taxas praticadas levaram parte da classe B para a classe A.

Em síntese, mais do que evidenciar a volta a um país de classe média — que nunca existiu —, o estudo da Tendências destaca as dificuldades para transformar o Brasil nessa direção. Isso exigiria mudanças estruturais, com mais empregos qualificados e ampliação dos níveis educacionais. A política social e o crescimento moderado têm ajudado a melhorar a estrutura de rendimentos na margem, mas isso não constitui mudança estrutural nem uma sociedade de classe média.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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