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Boulos, como Lula, é alguém que se fez a si próprio

O cenário não podia ser melhor e isso me deixa livre para fazer aquilo que há muito desejo fazer: o elogio de um rival do PT

Boulos, como Lula, é alguém que se fez a si próprio
Boulos, como Lula, é alguém que se fez a si próprio
Foto: Reprodução/Instagram
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Quem acompanha esta coluna sabe que tenho uma profunda admiração pela batalha contra o banimento político que os dirigentes do PT travaram e pela dignidade e bravura com que enfrentaram o combate. Essa luta permitiu que, agora, a esquerda esteja perto de outra vitória eleitoral e que Lula possa, de novo, ser eleito presidente da República. Esse feito é absolutamente singular. Não recordo outra história política como esta. Lula foi o presidente mais popular do Brasil e regressa agora para se elevar ainda mais na história do País. Da prisão injusta e criminosa diretamente para o palácio presidencial. E por vontade e ação do povo brasileiro. É absolutamente extraordinário.

Há muito que a minha análise da política brasileira é otimista. Enfim, todos os políticos são um pouco profissionais do otimismo e acredito que o fato de estar longe também me deixe menos impaciente com o fim do pesadelo que o Brasil tem vivido nestes anos. Seja como for, há muito que me parecia inevitável o que se está a passar na política brasileira – Lula com mais de 40% dos votos nas sondagens e a direita em guerra civil pela ­disputa do lugar no segundo turno, se houver segundo turno. O cenário não podia ser melhor e isso me deixa livre para fazer aquilo que há muito desejo fazer: o elogio de um rival do PT, cuja carreira sigo com admiração. Guilherme Boulos.

Boulos é, desde logo, um político jovem, divertido e que não parece carregar nos ombros todo o peso dos males do mundo, como muitas vezes acontece com as vozes da esquerda. É um homem de bom humor e é fácil, muito fácil, gostar dele. É um político que inspira confiança, mas que tem também suficiente confiança em si próprio, caraterística que é indispensável à vida política. Comecei a reparar nele quando me apercebi da defesa política sem falhas que fez de Lula, denunciando a utilização do sistema judicial na perseguição do inimigo político, denunciando as injustiças do seu processo e a prisão sem provas. Sendo de outro partido, essa posição de radical solidariedade sensibilizou-me muito – não cedeu ao que era fácil e enfrentou corajosamente, em nome das suas convicções, a tempestade dos anos de chumbo do chamado antipetismo. Não, não foi na onda, não se deixou determinar pelo cálculo político e pela vantagem pessoal que daí poderia retirar. Não recorreu à vulgar tradição política de superioridade moral que costuma ser um mal de que a esquerda costuma padecer. Essas atitudes de grandeza são raras e próprias dos grandes políticos.

Depois, é culto, preparado e com imaginação. É um político eloquente que prestou provas de capacidade executiva na direção do movimento que lidera. A ele não será preciso dar aulas de economia política, nem ter nenhum “Posto Ipiranga”, como vocês dizem aí com muita graça. Pensa pela própria cabeça e com independência de espírito. Ganhou as suas esporas na campanha de São Paulo, que fez dele um político nacional e de primeiro plano. Fez uma campanha criativa, envolvente e programática. Sua campanha não foi marcada por qualquer ressentimento ou ajuste de contas sociais, mas pela superioridade de uma proposta programática de modernidade e justiça social. No fim, quis-me parecer que até a burguesia de São Paulo olhou para ele com simpatia e como um fenômeno político digno de respeito. Passou ao segundo turno e isso fez dele o único ganhador daquelas eleições. O único nome que ficou. É muito raro acontecer esse fenômeno de umas eleições serem recordadas não pelo nome dos vencedores, mas dos vencidos. Essas eleições municipais transformaram o nome de Guilherme Boulos numa liderança nacional.

Deixem-me sublinhar também outro aspecto singular da sua careira política. Esse estatuto de liderança política nacional foi ganho em combate. Nada lhe foi oferecido sem luta. Tal como Lula, também ele não é um personagem criado artificialmente por um qualquer aparelho político de poder, mas alguém que se fez a si próprio. Guilherme Boulos é um político com povo. E isso faz toda a diferença. Nas próximas eleições está naturalmente em causa a mudança política no Brasil e o novo ciclo pós-Bolsonaro, mas está em causa também a afirmação política da nova geração de lideranças de esquerda. Guilherme Boulos faz parte desse futuro. E por mérito próprio. Bravo. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1188 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE DEZEMBRO DE 2021.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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