Josué Medeiros

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Cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

Bolsonaro sai menor, mas o ato em Copacabana ainda foi um sucesso

Mesmo inelegível e talvez preso, o ex-presidente seguirá dando as cartas e inviabilizando a formação de uma direita democrática no Brasil

Bolsonaro sai menor, mas o ato em Copacabana ainda foi um sucesso
Bolsonaro sai menor, mas o ato em Copacabana ainda foi um sucesso
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Foto: Pablo Porciuncula/AFP
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Na disputa política mais ampla, o ato bolsonarista deste 16 de março foi um retumbante fracasso. A manifestação reuniu entre 18 mil pessoas – segundo o Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP – e 30 mil pessoas (segundo o Datafolha). Seja qual for o número, o fato inescapável é que, às vésperas do início de seu julgamento no Supremo Tribunal Federal, marcado para 25 de março, Bolsonaro saiu menor,tanto diante da Corte quanto na tentativa de fustigar o governo Lula.

Esta disputa geral, contudo, não é a única batalha travada pelo ex-presidente. Bolsonaro sabe que a derrota no STF é praticamente certa e que deve terminar preso e fora das urnas em 2026. Por isso, desde 2024, ele e seu entorno priorizam uma outra luta, tão decisiva quanto: o controle da direita e da extrema-direita.

Nesse objetivo, o ato em Copacabana foi um sucesso para Bolsonaro. Primeiro, porque consolidou o alinhamento das principais lideranças da extrema-direita, como Nikolas Ferreira (PL-MG) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Segundo, porque reforçou a agenda da anistia aos golpistas de 8 de janeiro, um tema que mantém a base mobilizada e a direita refém de sua narrativa.

Nikolas Ferreira vem desenvolvendo uma trajetória própria, com protagonismo nas redes sociais e alguma autonomia com relação a Bolsonaro. Em 2024, conseguiu eleger como vereadores à sua imagem e semelhança em várias cidades, o que sugere força para a formação de um grupo político próprio. Também dialogou com Pablo Marçal mesmo quando o clã Bolsonaro entrava em rota de colisão com o coach. Ou seja, ao se fazer presente e discursar na praia de Copacabana, Nikolas Ferreira mostra que continua seguindo a liderança de Bolsonaro.

Praticamente nenhuma liderança ousa desafiar o script do ex-presidente

Já a situação de Tarcísio é mais complexa: ele uma estratégia dupla, se manter bem com a base bolsonarista e, ao mesmo tempo, se apresentar como uma suposta direita “tecnodemocrática”. Mas sua presença no ato e, principalmente, seu discurso desmentem qualquer verniz moderado. O governador insinuou que há uma conspiração para tirar Bolsonaro das eleições, algo que, segundo ele, “macularia a democracia”. “Qual a razão de afastar Bolsonaro das urnas? É o medo de perder a eleição?”, perguntou, para logo responder: “Porque eles sabem que vão perder”.

O “eles” da retórica de Tarcísio—o STF, o “sistema”, Lula—seriam os responsáveis por uma suposta manipulação para impedir o retorno de Bolsonaro. Essa tese não difere em nada da narrativa golpista que questiona o resultado das eleições de 2022 e que, segundo a PGR, Bolsonaro propaga desde 2020. É a mesma pregação antidemocrática que une os eixos da extrema-direita ao 8 de Janeiro: dos militares envolvidos ao empresariado que financiou, passando por parte da elite política que ainda aposta no bolsonarismo.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Foto: Mauro Pimentel/AFP

É nesta submissão da direita brasileira à retórica golpista que reside a força de Bolsonaro. Praticamente nenhuma liderança ousa desafiar o script do ex-presidente: é perseguido pelo sistema e que, com a força do “povo”, estará nas urnas em 2026, fazendo de todos reféns até lá. Os poucos personagens que pisam fora deste tablado são Pablo Marçal e Gusttavo Lima, cujos movimentos podem fragmentar a extrema-direita e ameaçar o monopólio bolsonarista.

Por fim, há a questão da anistia. A classe política sabe que a medida dificilmente passará no Congresso e, se passar, será derrubada pelo STF. Ainda assim, se o presidente da Câmara, Hugo Motta, de fato instalar a comissão especial para analisar a proposta, Bolsonaro terá conseguido mais um feito: manter a direita refém de sua agenda e garantir que o tema siga no noticiário por meses, enquanto seu julgamento avança.

Se a direita quisesse mesmo se reconstruir como um campo democrático, não deveria desperdiçar a chance de se livrar de um Bolsonaro enfraquecido – pelas ruas e pelo iminente julgamento. Mas tudo indica que ele seguirá dando as cartas, inviabilizando qualquer alternativa à sua liderança e enterrando, pelos próximos anos, qualquer chance de uma direita democrática no Brasil.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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