Bolsonaro roubou das pessoas a esperança num mundo melhor

O governo atual deixa como legado a desesperança na juventude brasileira

Foto: Agência Câmara

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A desesperança talvez seja o pior legado destes quatro anos de governo Bolsonaro, atrás apenas das mais de 650 mil mortes provocadas por uma pandemia que aqui foi estimulada pelo despreparo, pela negligência e pela incompetência daquela que é, disparadamente, a pior gestão desde o fim da ditadura. Quando falo em desesperança, me baseio na tristeza sentida ao ver os últimos dados do Tribunal Superior Eleitoral, a apontar a menor participação da nossa história entre os jovens com idade entre 16 e 18 anos aptos a escolher nas urnas o destino do nosso país.

De acordo com o TSE, até o fim de janeiro, apenas 731 mil brasileiros desta faixa etária haviam tirado o título. Trata-se de apenas 10% do total de jovens que poderiam ir às urnas em outubro. Menos de um quarto do total de votantes de 33 anos atrás, após conquistarmos esse direito na Assembleia Constituinte.

Para a minha geração, que acompanhou de perto a conquista e a festa dos jovens votando pela primeira vez em um presidente após o golpe, chega a doer o coração. Mas não chega a causar espanto. Parte do próprio presidente Bolsonaro o estímulo ao desinteresse pela política, direta ou indiretamente.

Em 2019, no início deste desgoverno, Bolsonaro afirmou categoricamente: “Queremos uma garotada que comece a não se interessar por política, como é atualmente dentro das escolas”. O resultado está aí. Como todos sabemos, há três coisas na vida que não voltam atrás: a flecha lançada, a palavra falada e a oportunidade perdida. E esta foi apenas uma das muitas oportunidades que Bolsonaro perdeu de ficar quieto.

Se a gente chegar em qualquer país minimamente civilizado e contar que no Brasil o presidente desestimula pública e continuamente a participação política da população, sobretudo dos mais jovens, vão achar que é piada. E realmente parece piada. De muito mau gosto. Mas está longe de ser. O desprezo pelo exercício da cidadania, infelizmente, é uma política de Estado com dano ao País a curto, médio e longo prazo. E que me faz voltar aos anos 1980.

Tudo isso me faz lembrar quando eu tinha 16 anos. Naquela época, eu não tinha direito a voto. Nem eu nem ninguém, pois estávamos na ditadura. Os tempos eram muito difíceis, mas ainda com todas as dificuldades a gente tinha algo que não vemos mais hoje em dia: a esperança num futuro melhor. O sonho do meu pai, o saudoso Seu Aroudo, inspetor de escola que só sabia assinar o nome, era proporcionar um mundo melhor aos três filhos. O dele e o de todos os outros pais e mães da minha geração. A gente via nos olhos deles a certeza de que a vida poderia melhorar para os brasileiros em uma ou ­duas décadas, de preferência com o fim da ditadura. E melhorou!


Mas até isso o Bolsonaro roubou das pessoas. A esperança num mundo melhor. E o triste retrato desta situação está nos números do TSE. E é justamente isso que a gente precisa devolver ao povo brasileiro, aos jovens, aos pais e mães que hoje não sabem se a vida daqui a dez anos vai estar melhor ou se vai piorar.

A gente precisa recuperar a economia do País, gerar emprego, combater a corrupção, mas, sobretudo, devolver a esperança ao nosso povo. A esperança num país com menos gente morrendo de fome ou se estapeando na porta de supermercados atrás de um pedaço de osso, como temos visto pelo Brasil afora em imagens que chocam o mundo, menos a família Bolsonaro e seus churrascos com carnes que custam quase 2 mil reais o quilo.

A gente precisa voltar a dialogar sobre política com maturidade e sem ódio. Precisamos recuperar a capacidade de ouvir quem pensa diferente da gente e trabalharmos juntos pelo bem comum. Temos de voltar a reunir a família no almoço de domingo sem que o papo sobre política provoque conflitos. O Brasil precisa de união, não de divisão.

Nosso país precisa voltar a sonhar, e para que isso aconteça é fundamental que a gente estimule a participação política desta garotada, porque a vida dos jovens, como a de todas as pessoas, também pode melhorar ou piorar de acordo com as nossas escolhas políticas. O preço da passagem e a qualidade dos trens, ônibus e metrôs dependem de decisões políticas, bem como o ingresso do futebol, do cinema e, como acabamos de ver nos últimos dias, do café pingado com pão na chapa, que em alguns lugares no Rio e em São Paulo já custa inacreditáveis 20 ­reais. A mudança, tenho certeza, virá em outubro. Mas pode ficar mais fácil se até 4 de maio todo mundo estiver com o cartão da mudança em mãos. E este cartão se chama título de eleitor. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1201 DE CARTACAPITAL, EM 30 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Jovens, voltem a sonhar”

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