Guilherme Boulos

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Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Foi candidato à Presidência da República em 2018, pelo PSOL.

Opinião

Bolsonaro gosta mesmo é de quem usa o Estado para assassinar

A cada declaração e gesto, o Brasil descobre que na verdade o presidente coleciona bandidos de estimação

O presidente Bolsonaro e os militares (Foto: Marcos Corrêa/PR)
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Bolsonaro foi eleito com base na promessa de resolver o problema da criminalidade num país assolado pela violência e que vive a mais brutal crise econômica das últimas décadas. Sem talvez nunca ter pronunciado as palavras “desigualdade” e “políticas sociais” em toda a vida, especializou-se em culpar o excesso de direitos humanos no Brasil como responsável pelos mais de 60 mil assassinatos por ano. Seu lema sempre foi “bandido bom é bandido morto”.

Mas de que “bandidos” ele fala? Para os “bandidos” pobres, defende a barbárie e a execução sumária. Em vez de repudiar o recente massacre em um presídio do Pará que deixou 57 mortos, 16 decapitados, disse que era melhor perguntar o que as vítimas dos mortos achariam. Essa lógica do linchamento alimenta seus seguidores. Recentemente, ao publicar no Twitter um repúdio à tortura com chicotadas de um jovem negro por ter tentado furtar um chocolate de um mercado em São Paulo, pude ler os seguintes comentários dos “bolsominions”: “Erraram mesmo, deveriam ter cortado as mãos” ou “se ele estivesse trabalhando isso não teria acontecido”…

Quando se trata de outro tipo de “bandidos”, Bolsonaro e seus seguidores são bem mais compreensivos. Os da família, como Flávio, e os agregados, como Queiroz e a rede de amigos milicianos, contam com uma surpreendente complacência. Nada se compara, no entanto, à postura do presidente em relação a “bandidos” que se valem das forças de segurança para cometer crimes. Estes são os verdadeiros bandidos de estimação de Bolsonaro.

Ele poupa e legitima execuções praticadas por policiais, como quando absolveu os militares que exterminaram com 80 tiros o músico negro Evaldo Rosa na periferia do Rio de Janeiro, chamando o crime de “incidente”. Nada se compara, porém, à sua verdadeira adoração por torturadores. Exalta o canalha Brilhante Ustra e chega ao ponto de ofender a memória de torturados, como no caso de Fernando Santa Cruz e do pai da ex-presidenta chilena Michelle Bachelet.

E ele deu um passo além: ameaçou passar das palavras ao ato, anunciando que pretendia dar indulto, isto é, perdão judicial, para os policiais que participaram de massacres de Eldorado de Carajás e do Carandiru.

É preciso deixar claro que não cabe indulto a esse tipo de crime. O perdão judicial não é permitido para crimes hediondos, caso da condenação dos policiais de Eldorado dos Carajás. O indulto também não seria possível para os envolvidos no massacre do Carandiru, pois não houve condenação com trânsito em julgado, quando não são possíveis mais recursos. O fato de Bolsonaro desconhecer e sobretudo desrespeitar a Constituição importa menos neste caso do que realmente significa esse tipo de declaração.

Em outubro de 1992, uma briga entre grupos de detentos iniciou uma rebelião no Carandiru. O motim foi controlado e a maior parte dos presos entregava as armas. O prédio foi, no entanto, invadido e os policiais entraram e atiraram no escuro. Até os presos que tiraram as roupas para provar que estavam desarmados foram executados. Resultado: 111 presos assassinados e 110 feridos. Dezenas de corpos foram achados com a mão sobre as cabeças, em sinal de rendição, ou algemados. Não havia sinais de reação.

Cinco anos depois, cerca de 1,5 mil famílias sem-terra protestavam em Eldorado dos Carajás, no Sul do Pará. Foram cercados por policiais e alvejados por tiros. Na tarde de 17 de abril, 19 camponeses foram assassinados, com 37 perfurações de bala, e 56 ficaram feridos. A autópsia revelou, além de cortes profundos com foices e facões, tiros na nuca e na testa, o que indica execução premeditada. Há relatos de que o primeiro a morrer foi um deficiente auditivo, que não ouviu o barulho dos tiros.

Oziel Alves, de 17 anos, foi uma das vítimas. Tinha 15 anos quando se integrou ao movimento e havia acabado de fazer um curso supletivo de seis meses, terminando o Ensino Fundamental. Conseguiu esconder-se, mas foi encontrado, recebeu um tiro, foi algemado e arrastado pelos cabelos até a morte.

Deputado por quase três décadas, Bolsonaro certamente conhece esses episódios. Sabe o que defende. Seu desejo de perdoar e homenagear os policiais envolvidos nos massacres revela uma fixação na violência bárbara e uma identificação psicológica com os “bandidos” que defende.

Ele vive cercado de milicianos, assessores de gabinete que desviam dinheiro público, policiais corruptos e assassinos. Muitos brasileiros elegeram Bolsonaro por acreditar que ele enfrentaria os “bandidos” e a violência. A cada declaração e gesto, o Brasil descobre que na verdade o presidente coleciona bandidos de estimação. Bandidos sádicos e covardes. 

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