Esporte
Bola parada
Os casos explícitos de atitudes homofóbicas e manifestações racistas passaram, no esporte, do varejo ao atacado


Ao invés de tratar dos jogos esportivos e das emoções saudáveis que sua prática gera, serei obrigado, mais uma vez, a abordar comportamentos deturpados, reflexos deste momento de radicalismo que atravessamos.
O caso Vinícius Junior, o jogador brasileiro que se tornou um dos grandes destaques do futebol mundial pelo Real Madri, tomou proporções agigantadas em todos os sentidos.
Por ter tomado a iniciativa de reagir com veemência e lucidez após ser vítima de atos racistas durante o jogo Valencia vs. Real Madrid, o craque pode se tornar um marco não só em relação ao racismo, mas ao nazifascismo em geral.
Digo isso porque a maneira como as coisas aconteceram provocou um alerta muito expressivo.
Mesmo servindo de argumento furado aos reacionários de plantão – que reputaram como racista a generalização do público –, não podemos deixar de lembrar do grande número de manifestantes que atacaram o destacado jogador antes mesmo da entrada no estádio.
Que fenômeno é esse – e que não nasceu hoje – que explica o número elevado de pessoas a se manifestar publicamente depois de longo período nas trevas? Essa é a pergunta que não quer calar, mesmo tendo-se consciência do papel que vem sendo desempenhado pela disseminação das fake news e pela ascensão da direita conservadora.
Os casos explícitos de atitudes homofóbicas, racistas e de outras formas desumanizadas de relação com o semelhante, passaram, no esporte, do varejo ao atacado.
A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos foi, sabemos, um sinal inequívoco do crescimento da onda direitista em várias partes do mundo.
Os torcedores inquisitoriais vistos na Espanha podem servir de alerta para o ponto em que chegamos nesse processo que precisa, sem dúvida alguma, ser estancado.
Saindo da bola parada e chegando à bola rolando, devo dizer que aguardei com grande expectativa o jogo entre Fluminense e Botafogo pelo fato de a partida representar o que mais me intriga neste momento do nosso futebol.
Nesta hora da contratação de uma comissão técnica para a seleção de futebol, estamos, a meu ver, em um momento de escolha sobre a forma de jogar.
Temos, de um lado, o futebol europeu dito moderno, que tem como palavra de ordem a intensidade, com predomínio da força física sobre o talento – seria o futebol do neoliberalismo? Já foi, inclusive, chamado de “científico” esse tipo de jogo do Hemisfério Norte. De outro, tem-se a criatividade, o decantado futebol moleque, com o gingado tropical.
Mas esse segundo tipo de futebol seria ainda possível em tempos de globalização, de encurtamento do tempo das viagens e aumento da velocidade nas comunicações?
As dúvidas são muitas e o tema é instigante.
O “clássico vovô” entre Fluminense e Botafogo, pelo Brasileirão, poderia ser uma amostra dessa bola dividida simbolizada nas figuras dos seus treinadores: o português Luis Castro e o brasileiro Fernando Diniz?
Em busca disso, voltei ao Engenhão. E o jogo, de fato, representou o duelo entre duas escolas antagônicas.
O jogo não andava. Era interrompido a todo instante pela marcação cerrada – o antídoto do técnico botafoguense para o toque-toque tricolor. Tudo isso até que um gol “espírita” do Botafogo salvou milagrosamente o jogo que caminhava para um decepcionante 0x0. Ou seja, tudo certo e nada resolvido.
Continuamos intrigados para saber em que barco estamos metidos nessa travessia transoceânica – afinal de contas, além do técnico da Seleção, há de ser escolhida a comissão que o apoiará.
Não posso esquecer, contudo, que a seleção que jogou o melhor futebol na Copa do Catar, em 2022, foi a de Marrocos. Tal constatação enseja outra pergunta: não será romantismo da minha parte?
Hoje em dia, é possível ganhar uma Copa do Mundo com uma seleção que, ainda que tenha o futebol mais apurado, melhor tecnicamente e mais criativo, não empregue a valência força? •
Publicado na edição n° 1261 de CartaCapital, em 31 de maio de 2023.
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