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Opinião

MEC rebaixa Conselho Nacional de Educação a cartório

CNE finaliza as discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular nos próximos dias

Créditos: Elza Fiuza/Fotos Públicas
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Por Fernando Cássio

O Conselho Nacional de Educação (CNE) vota nesta quinta-feira 7 o parecer sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Já é dada como certa a aprovação do documento, e o passo seguinte do Conselho será redigir uma resolução que, confirmada pelo Ministério da Educação (MEC), dará a força de lei ao novo documento.

A BNCC regulará o que deve ser ensinado nas escolas brasileiras nos próximos anos, da Educação Infantil ao Ensino Fundamental. A base para o Ensino Médio, que fazia parte das duas versões do documento lançadas no governo Dilma, foi retirada da terceira versão da BNCC pelo MEC da gestão Michel Temer, e será divulgada no próximo ano.

Nas mudanças radicais na estrutura do documento, após a ascensão de Temer, Mendonça Filho (ministro da Educação) e Maria Helena Guimarães de Castro (secretária executiva do MEC), não deixam dúvidas de que as grandes questões envolvidas na BNCC são totalmente imunes aos debates do campo educacional.

Embora alguns membros do CNE tentem dourar a pílula, dizendo que “várias sugestões” do Conselho foram incorporadas pelo MEC na versão final do documento, parece óbvio que as eventuais polêmicas se resumirão a questões pontuais.

Pequenas e grandes questões

O CNE sinalizou que não haverá grandes confrontos com o MEC durante a votação do parecer, que será bastante técnico e abordará os “marcos que levaram à construção da Base e sua conformidade com a legislação vigente”. Essa necessidade de aprovar uma BNCC se assenta na meta 7 do Plano Nacional de Educação (PNE), mas não custa lembrar que a inclusão da Base no PNE seu deu por pressões dos setores empresariais.

Dentre as pequenas questões, o debate especializado sobre os componentes curriculares já se considera superado no adiantado da hora, bem como a retirada das menções a gênero na última versão. Nesse particular, a diretriz do MEC tem sido a de evitar conflitos entre grupos cujos interesses não coincidam com os do próprio Ministério. Retirar para não polemizar. É bem provável que o CNE também não se anime com esse debate.

Restaram dois pontos de dissenso que ainda podem gerar emendas importantes ao texto. O primeiro se refere à antecipação do tempo máximo para a alfabetização, que, além de críticas provenientes do campo educacional, que tende a divergir de abordagens que desprezam os diferentes tempos de aprendizagem das crianças, gerou alguma insatisfação no campo empresarial, nesse caso por razões de preservação de nichos no mercado dos materiais didáticos. O segundo e mais espinhoso ponto tem a ver com a reincorporação do Ensino Religioso no texto da BNCC, talvez o único dissenso que possa de fato dificultar o avanço da votação do parecer em sua integralidade.

Já o retorno triunfal da “pedagogia das competências” à terceira versão e a ênfase nas chamadas habilidades socioemocionais – marcas distintivas da virtù reformadora do Governo Temer e dos setores empresariais que o apoiam – devem passar incólumes pelo CNE.

Quem é que tem pressa? O que esperar do CNE?

A Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação) cobrou do MEC a ampla divulgação da versão final da Base. O documento de 400 páginas foi disponibilizado ao CNE no último dia 29 de novembro, para ser votado poucos dias depois. No dia 4 de dezembro, o MEC fez uma apresentação oral das mudanças realizadas entre a terceira e a última versão da Base para o CNE, “assegurando” que algumas sugestões do Conselho foram incorporadas ao documento. Ainda embargada pelo MEC, a última versão foi divulgada hoje, pelo jornal Folha de São Paulo.

O MEC de Temer – e como seria diferente? – não exibe o menor constrangimento em pressionar o CNE para deliberar e encerrar a questão o mais rápido possível, nem mesmo com as dúvidas, levantadas na imprensa, sobre a transparência na divulgação da última versão do documento.

Uma série de textos têm mostrado quais são os grupos que têm pressa pela aprovação da BNCC. Alice Ribeiro, secretária-executiva do Movimento pela Base Nacional Comum, que reúne fundações como a Lemann e o Todos pela Educação, afirma que o Movimento “não toma decisão a respeito do documento Isso é uma atribuição do Ministério da Educação em parceria com estados e municípios por parte do Consed e da Undime”. Mas um artigo científico recente insiste em nos lembrar que tanto o Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) quanto a Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), também participantes do Movimento pela Base, estão representados no CNE.

Curiosamente, essas duas entidades já haviam lançado, em agosto, um Guia de Implementação da BNCC. A Fundação Lemann, por sua vez, tem investido na produção de planos de aula com vistas à implementação da Base, através de seu braço editorial, a revista Nova Escola, que também tem publicado uma enxurrada de matérias e posts, convidando os professores – seu principal público – a conhecer a nova BNCC. Esforços envidados por uma Base que ainda não foi aprovada.

Nas palavras do ex-ministro Paulo Renato Souza, o CNE deveria ter um papel “menos decisório e mais assessor”. Foi ele quem primeiro submeteu todas as deliberações e pronunciamentos do Conselho à homologação do MEC (Lei n. 9.131/1995, Art. 2º). Embora viva seus conflitos internos em relação à BNCC, o rebaixamento ao nível de um cartório, cujo único papel será oficializar o que já foi decidido em outras esferas, se afigura como um destino inevitável ao CNE. A aprovação de uma BNCC com tantos problemas consolidará o CNE como aparelho para a perpetuação do poder dos grupos que, hoje, comandam efetivamente a educação no Brasil.

Em tempo: entre a redação final deste texto e a sua publicação, uma nota do Movimento pela Base Nacional Comum deu o ultimato ao CNE, lembrando aos conselheiros que “Cumprir o cronograma previsto para a votação é respeitar a urgência dos que trabalham na ponta, nas salas de aula, nas escolas e nas redes. Diversos estados estão se organizando para a chegada da BNCC no início de 2018, com equipes preparadas e avançados na formação do regime de colaboração com os municípios”. O que reforça a tese sobre a quem interessa a aprovação da Base como está. 

Fernando Cássio é professor de políticas educacionais da UFABC, e pesquisador da Rede Escola Pública e Universidade e do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES)

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