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Big techs precisam de regulação que assegure competitividade digital

É preciso enfrentar a dependência financeira dos veículos de comunicação das plataformas digitais, a falta de transparência nos algoritmos de publicidade e o risco de manipulação da opinião pública

Big techs precisam de regulação que assegure competitividade digital
Big techs precisam de regulação que assegure competitividade digital
Imagem: Google
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O Sleeping Giants Brasil é uma das principais vozes no relatório do Ministério da Fazenda sobre os riscos da concentração de mercado de publicidade digital pelas big techs. Publicado em outubro com o título Plataformas Digitais – Aspectos Econômicos e Concorrenciais e Recomendações para aprimoramentos regulatórios no Brasil, o documento é fruto de uma consulta pública realizada em maio de 2024, que contou com a contribuição de 59 entidades, de empresas a organizações sociais.

O relatório analisa práticas monopolistas e anticoncorrenciais das grandes plataformas digitais, destacando que a concentração de serviços de publicidade nas mãos de poucas empresas, como o Google, traz impactos negativos para a concorrência, o mercado de consumo e os consumidores no Brasil.

O controle do mercado de anúncios online por grandes grupos econômicos ameaça diretamente a independência e a sustentabilidade do jornalismo, a governança dos veículos de comunicação e até a soberania nacional. É uma questão que vai muito além da desinformação que costuma circular na internet, e é crucial fomentar a competitividade neste setor, sob o risco de o Google consolidar seu papel como principal intermediário de anúncios, comprometendo a integridade da informação e a liberdade da imprensa no Brasil.

A iniciativa do Ministério da Fazenda reflete os debates globais sobre a concentração de poder das big techs. Em janeiro de 2023, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos processou o Google, alegando que a empresa se tornou monopolista no mercado de publicidade digital, violando a lei antitruste americana, o Sherman Antitrust Act de 1890. 

O governo americano argumenta que o Google adquiriu empresas de software de anúncios, como DoubleClick e AdMeld, para manter uma participação de mercado de 87% na indústria de vendas de anúncios, sufocando a concorrência e prejudicando consumidores e editores de veículos de imprensa. O Departamento de Justiça também está considerando impor medidas que podem restringir contratos exclusivos da empresa e exigir a venda de determinados ativos ou o compartilhamento de dados com concorrentes, especialmente nos setores de pesquisa e publicidade online. O desfecho do caso está previsto para novembro deste ano.

Esta não é a primeira vez em que o Google é investigado pelo Departamento de Justiça dos EUA por violações das leis de concorrência. Em agosto deste ano, a empresa foi condenada em um processo por práticas anticoncorrenciais relacionadas ao seu mecanismo de busca. Agora, aguarda-se a definição das sanções a serem impostas pela Justiça americana, que podem incluir um pedido para a dissolução do monopólio da empresa e a venda de parte de seus ativos.

Em sua contribuição para o debate nacional proposto pelo Ministério da Fazenda, o Sleeping Giants Brasil aponta que a falta de regulação das plataformas cria uma grande concentração de poder econômico em torno de algumas poucas empresas estrangeiras, o que faz emergir uma realidade anticompetitiva e particularmente desigual para os empreendedores brasileiros.

O Brasil, atualmente o quarto maior mercado digital do mundo, carece de legislação específica para plataformas de mídias sociais, serviços de mensageria e publicidade digital que, através de sua posição majoritária, conseguem acumular e processar quantidades imensas dos dados de seus usuários e utilizar em seu favor essas informações, o que não é acessível para a seus competidores.

Um dos exemplos é a Meta, responsável por Facebook, Instagram e WhatsApp, que controla grande parte do mercado publicitário brasileiro e, através de seus algoritmos de publicidade, determina ao que seus usuários têm acesso sem considerar a licitude do material publicitário. 

Fora do País, empresas como Apple, Facebook, Spotify e Google foram alvo de investigações e punições após processos pela lei europeia que regula os mercados digitais naquela região. Aqui no Brasil, no entanto, quando iniciada a discussão sobre o Projeto de Lei 2630/2020 (PL das Fake News), as big techs lançaram mão não apenas de seu poderio econômico, como também de seu lugar de fornecedores de serviços em tecnologia da informação para impor a agenda antirregulação. Este cenário torna fundamental uma legislação que regulamente o setor e possa fazer frente ao poder ilimitado das grandes empresas. 

Outro aspecto importante é olhar para as questões competitivas a partir do ponto de vista do direito do consumidor, considerando temas como: a separação entre hospedagem e curadoria de conteúdo; a obrigação de transparência e acesso a dados; a concentração de serviços de publicidade programática e tráfego pago; e a obrigação de interoperabilidade, que abriria espaço para que as plataformas se comuniquem entre si, evitando que o usuário precise criar contas e abrir mão de seus dados e direito de escolha em diversas plataformas.

A existência de um órgão regulador forte é imprescindível para o sucesso de uma política de regulação da concorrência, pelo que o CADE emerge enquanto opção de agente regulador, por seu know-how dos mercados e questões concorrenciais e solidez institucional, contanto que aconteça a partir de reformulação estrutural que contemple a criação de uma divisão digital. Isto porque, para enfrentar o grande poderio das maiores empresas do mundo, é necessário investimento. Desta forma, caberia ao CADE não somente o papel de órgão antitruste ex post, mas também o cargo de regulador ex ante do mercado digital — em uma regulação assimétrica, que estabeleça obrigações para os grandes, sem impedir a inovação de novas empresas.

Por fim, é preciso olhar para a publicidade digital quando o assunto é a concentração econômica e seus impactos na concorrência. A publicidade é fundamental para o modelo de negócios da mídia, mas a ascensão das big techs criou um ambiente de extrema concentração de poder, resultando em graves consequências para a integridade da informação.

A dependência financeira dos veículos de comunicação das plataformas digitais, a falta de transparência nos algoritmos de publicidade e o risco de manipulação da opinião pública são algumas das questões que precisam ser enfrentadas para a garantia de um ambiente online democrático e plural.

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