Delfim Netto

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Formado pela USP, é professor de Economia, além de ter sido ministro e deputado federal.

Opinião

Bestialógico do governo em 150 dias acirra os ânimos no País

Presidente, não insista no ‘chamado às armas’ para o que resta de seus seguidores. Qualquer que seja a resposta, apenas aumentará as tensões

Foto: José Cruz/Agência Brasil
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As enormes trapalhadas em que insiste se meter o governo Bolsonaro não são produzidas pela dramática situação em que se encontra a sociedade brasileira. A sua vitória eleitoral foi resultado de uma escolha entre duas crenças ideológicas. A rigor, Bolsonaro nunca apresentou um programa amplo e coerente para o escrutínio do eleitorado, apenas algumas ideias conservadoras discutíveis. Sua vantagem foi que a outra “ideologia” fora experimentada e malsucedida durante os últimos seis anos antes da aprovação pelo Congresso do afastamento da presidenta Dilma Rousseff.

Foi exposta uma corrupção endêmica que se apropriara das empresas estatais e criara um cartel para a execução de projetos de infraestrutura. Tratou-se de verdadeiro incesto entre uma parte importante das empreiteiras e funcionários estatais escolhidos pelo poder incumbente eleito. Combinado com o imenso fracasso econômico, desencadeou um sentimento de revolta social contra o Partido dos Trabalhadores, que ocupou o poder por 13 anos. A enorme publicidade do julgamento dos processos no Supremo Tribunal Federal e as descobertas posteriores da Lava Jato, que receberam formidável apoio das mídias sociais, produziram um tumor de fixação negativa: satanizou o PT. Depois, a condenação de Lula por um tribunal tornou inútil a sua canonização pelos eleitores. A vitória de Bolsonaro foi facilitada pela discutível ideologia de gênero que fala a alguns conservadores somados ao antipetismo.

A situação política, social e econômica em que foi jogada a sociedade brasileira na última década é preocupante. Do ponto de vista político, quando o Executivo perdeu o seu protagonismo, vimos nascer uma disputa insana pelo aumento de espaço pelo Legislativo, Judiciário e Ministério Público para ocupar o “vácuo”. Ela deixou as horríveis judicialização da política e a consequente politização da Justiça, que tornaram ainda mais difícil administrar o Brasil.

Do ponto de vista social, o voluntarismo praticado entre 2012 e 2016 produziu o empobrecimento geral, demoliu a classe média e deixou o criminoso desperdício de 13 milhões de desempregados que, lentamente, assistem à destruição de suas famílias. Não há esperança de que possamos – mesmo com uma robusta reforma da Previdência – reabsorvê-los a curto prazo. A isso se acrescenta a aparente impotência do Estado constituído para cumprir a mais fundamental de suas funções: garantir a integridade física dos seus cidadãos.

Do ponto de vista econômico, o período foi devastador. Houve uma redução do PIB per capita da ordem de 0,4% ao ano. O superávit primário de 2,2% do PIB transformou-se em déficit de 2,5%. Abriu-se um buraco de 4,7% do PIB em seis anos. O déficit fiscal cresceu de 2,3% para 9%, e a Dívida Bruta/PIB saltou de 54% para 70% do PIB.

Bolsonaro conheceu in loco essa situação na sua campanha eleitoral de dois anos. Bem cedo intuiu que poderia ter sucesso apresentando soluções fáceis para problemas difíceis, acompanhadas da exploração da tal onda conservadora em questões de costumes, que fala alto a certos setores da população. Soube explorá-la em eficiente campanha nas mídias sociais. No fim, um ato criminoso facilitou a sua eleição: poupou-o das armadilhas da campanha.

Começou o governo escolhendo bons ministros. A exceção foram as áreas escuras, particularmente a Educação, mas perdeu-se quando, ao escolhê-los, confundiu a natural construção de uma maioria republicana para dividir o poder com os partidos do Congresso com corrupção. Cometeu o erro primário cujo custo está pagando.

Um exemplo. Todos os anos temos “contingenciamentos” orçamentários (não atingem as despesas obrigatórias), porque a receita do Tesouro depende da “conjuntura” e, em condições adversas, não fazê-los pode levar ao impeachment, mas nunca houve tumulto. Nunca houve passeatas. Nunca os pais foram às ruas com seus filhos para defender o ensino e a pesquisa. Qual a novidade de 2019? As tolices dos seus ministros. Claramente, não foram os “idiotas úteis” de uma suposta esquerda. Esta já não os coopta. Foi uma sociedade (a maioria “bolsonarista”?) desiludida com o bestialógico que em 150 dias os dois ministros impuseram à Educação.

Presidente, não insista no “chamado às armas” para o que resta de seus seguidores. Qualquer que seja a resposta, apenas aumentará as tensões e fará mal a Vossa Excelência e ao Brasil. Mostre que entendeu a natureza da política republicana e entregue o setor a um político. Chame o velho “Mendoncinha” para ajudá-lo.

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