Yasmin Morais

[email protected]

Escritora, jornalista em formação pela Universidade Federal da Bahia com mobilidade acadêmica na Université Toulouse 2 Jean Jaurès, integrante do Centro de Estudo e Pesquisa em Análise do Discurso e Mídia (CEPAD) da UFBA e fundadora do projeto Vulva Negra.

Opinião

BBB: Por que aceitamos a agressividade como expressão válida dos sentimentos?

O que os comportamentos tóxicos de Gabriel Tavares contra Bruna Griphao nos dizem sobre a percepção da violência dentro dos relacionamentos amorosos

Créditos: Reprodução Tv Globo
Apoie Siga-nos no

“Em uma banheira de aquecimento gradual, você seria fervido antes que percebesse”

Abro este artigo com a frase da autora canadense Margaret Atwood, conhecida pela célebre obra O Conto da Aia, publicada originalmente no ano de 1985. Na distopia misógina imaginada pela autora, as mulheres possuíam valor intrínseco às suas funções: esposas, escravas reprodutoras, cuidadoras, empregadas domésticas e pessoas em situação de prostituição. Na sociedade proposta em Gilead, mulheres jamais poderiam legislar sobre os seus próprios corpos ou relações, ainda que estivessem no topo da hierarquia construída para a casta feminina.

Uma das passagens mais emblemáticas da obra, entretanto, se dá quando a personagem principal divaga acerca do paralisia de todos durante a lenta instauração de um golpe de Estado.

Como os personagens no livro, muitas de nós, mulheres, nos adaptamos cegamente aos ambientes hostis –até que seja tarde demais.

No último domingo 22, o apresentador do Big Brother Brasil, Tadeu Schmidt, utilizou o tempo ao vivo com os brothers para deixar um alerta em rede nacional a respeito da relação amorosa entre dois participantes: a atriz Bruna Griphao e o modelo Gabriel Tavares. “Quem está envolvido em um relacionamento, talvez nem perceba, talvez ache que é normal. Mas quem está de fora, consegue enxergar quando os limites estão prestes a ser gravemente ultrapassados. […]”, disse Tadeu. “Gabriel, em uma relação afetiva, certas coisas não podem ser ditas nem de brincadeira”

O pronunciamento se deu por conta de cenas nas quais, após afirmar ser “o homem da relação”, Bruna recebe como resposta a seguinte frase: “Mas já já você vai tomar umas cotoveladas na boca”. Após o pronunciamento, Tavares ainda pressiona a artista, e desejando construir uma defesa, indaga: “Tivemos uma coisa tão boa, não pode ser tóxico. Você se sente em uma relação tóxica?”, ao que Bruna responde: “Não”.

Como Bruna, as mulheres aprendem a não confiar em sua própria percepção acerca das situações que vivem em relacionamentos amorosos. Afinal, em uma sociedade na qual somos socializadas para a busca incessante pelo amor romântico, a figura do “príncipe encantado”, que antagoniza o “agressor” dentro de nossas consciências, possui enorme força, haja vista que por ele buscamos desde a tenra infância, seja em desenhos animados ou nos nada inocentes contos de fada.

Aprendemos religiosamente que há homens perigosos, maus e instáveis lá fora e por conta disso, carecemos de um “salvador”, um homem que nos proteja.

Nessa experiência dual e adoecedora, encontra-se um dos maiores paradoxos da estrutura patriarcal, muito bem descrito pelas autoras Dee L. R. Graham, Edna I. Rawlings e Roberta K. Rigsby na obra Amar para Sobreviver: Mulheres e a Síndrome de Estocolmo Social, mulheres precisam da proteção masculina, porque são ameaçadas pela violência masculina. Os homens que consideramos serem designados para que nos protejam dos temidos “agressores”, são justamente aqueles que possuem a maior probabilidade de cometer crimes contra nós. Segundo o relatório das Nações Unidas sobre violência de gênero para o ano de 2021, parceiros ou outros familiares cometeram quase 6 a cada 10 dos crimes de feminicídio no mundo. Além disso, a pesquisa também relata que no mesmo ano 56% dos feminicídios foram cometidos por parentes das vítimas.

Nessas circunstâncias, os sinais vermelhos que se apresentam ao decorrer da relação raramente são suficientes, pois, aprendemos a compreender a agressividade como “comicidade” ou “expressão válida dos sentimentos”. Afinal, se um homem age de forma agressiva, certamente foi importunado pela parceira. Dentro dessa construção social, ainda que os indivíduos exteriores à relação alertem a mulher, por vezes se torna difícil desvinculá-la do agressor, pois o mesmo tende a pôr a sua defesa no discurso da própria vítima, a convencendo de que a sua versão dos fatos sempre será a mais próxima da realidade.

Muitas mulheres se unem aos homens na esperança de serem protegidas por eles, mas sem que saibam, sem que sequer desconfiem, mergulham com todos os membros em uma banheira de aquecimento gradual. Alguém precisa cessar esse fogo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo