Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

Opinião

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Balão apagado

Chegamos todos iludidos às oitavas de final da Copa do Catar e, quando caímos na real, a ilusão foi transformada em irritação e raiva

Balão apagado
Balão apagado
Créditos: NELSON ALMEIDA / AFP
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Passados alguns dias da eliminação da Seleção Brasileira no Mundial do Catar, é possível avaliar com mais equilíbrio o que já passou e olhar para o que ficou na peneira, tiradas as “broncas” dadas no calor da raiva e da desilusão.

Essa foi mesmo a sensação deixada pela derrota para a Croácia: todos chegamos às oitavas de final iludidos. Não passava pela cabeça de ninguém, em meio à euforia gerada pela partida contra a Coreia do Sul, que o resultado pudesse ser o que foi. E aí, quando caímos na real, a ilusão foi transformada em irritação.

Minha conclusão é a de que, em meio a tanto detalhismo exagerado, a comissão técnica, talvez por uma acentuada tendência à centralização, perdeu o fio da meada na metade do caminho. O caldo entornou e veio o desastre.

A própria reação de Tite, de se recolher aos vestiários mal terminou a partida da sexta-feira 9 – condenada pelos comentaristas – pode entrar na conta da desilusão geral. Mas a atitude também evidencia o transtorno do principal responsável dentro do campo – embora fora das chamadas quatro linhas. Dentro das quatro linhas, o descontrole foi incompreensível para os espectadores – estivéssemos nós onde estivéssemos.

No momento da saída de Vinícius Jr. fiquei perdido, sem entender a razão daquela substituição. A partir daí, como todos, não conseguia mais compreender o derretimento da equipe. A reação de Neymar, que simplesmente não entendia o descontrole do time, espelhou o que todos sentimos.

Mas veio então o gol sensacional do camisa 10, no fim da primeira parte da prorrogação, que parecia ter trazido de volta o próprio craque, até então bem devagar.

Restava a partir daí a segunda parte da prorrogação, na qual, diante do placar de 1 a 0, a lógica recomendava, no mínimo, resguardo e cautela. Mas o time se perdeu em campo, demonstrando o esgotamento emocional prematuro e a ausência de liderança fora e dentro do campo.

Era de se esperar um controle da situação centrado em Casemiro, que sempre fez isso muito bem no elenco de estrelas do Real Madrid e que chegou a ser chamado de “meu camisa 10” por Tite. Assim, diante disso tudo, a única conclusão a que consigo chegar é a de que a Seleção perdeu a mão no meio do caminho.

A situação fez com que eu me lembrasse da fatídica Copa em nossa casa, em 2014, quando, na última hora, quando tudo estava desmoronando, a comissão técnica correu para chamar uma psicóloga.

Precisamos, sem dúvida, baixar a bola, botar os pés no chão e calçar as sandálias da humildade, como nos recomendaria o sábio Nelson Rodrigues.

Pode ser que a ausência de apoio ou, pelo menos, de uma supervisão psicológica tenha sido também um dado de prepotência.

Perdi, enfim, para o Casagrande, que alertava para algumas incongruências da Seleção, como a insistência em alguns nomes que ele considerava ultrapassados. Depois de a barca ter afundado, surgiram inúmeras sugestões de possíveis convocados e outras observações sobre o suposto despropósito de se convocarem nove atacantes e ficar sem reservas nas laterais.

Essa opção, de fato, criou problemas a partir do momento em que tivemos as lesões sofridas pelos titulares e deu ainda mais munição às críticas relativas à convocação de Daniel Alves, que já eram grandes.

Não nego que, de início, vi com desconfiança a escolha de Tite para treinar a Seleção Brasileira. E isso aconteceu em razão das repetidas convocações de treinadores com o perfil de “disciplinadores” – eufemismo para autoritarismo.

Entendi, depois, que não era este o caso e, então, passei a acreditar em seu comando e não deixei de apoiar o desejo de Tite de criar um ambiente de confiança no elenco – comprovadamente o principal fator do sucesso em qualquer tipo de trabalho coletivo. O exagero fez, porém, a campanha virar um balão apagado. Agora chegam à finalíssima França e Argentina, com méritos próprios.

Mas já tenho meu campeão: Marrocos alcançou o feito grandioso de ser o primeiro país africano a alcançar uma semifinal de Mundial, jogando o futebol de melhor técnica e, sobretudo, com arte. Isso, sem falar na valentia com que prensaram a poderosa França até o fim. Além disso, não têm, no time, nenhum halterofilista.

A história da chegada da Argentina à final, que inclui um bonito caminho na construção da equipe e a superação de obstáculos já dentro do Mundial, é muito bem representada por Messi, a “pulga” sensacional que não tem de provar nada, nem pode ser comparado a ninguém. Ele é o maior jogador de sua geração. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1239 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE DEZEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Balão apagado”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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