Deyvid Bacelar

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Coordenador-geral da Federação Única de Petroleiros

Opinião

Às vésperas das eleições, Petrobras insiste em liquidar refinarias 

Às vésperas das eleições, a Petrobras insiste em seguir adiante com sua política de liquidação de ativos públicos. Agora, mais do que nunca, a toque de caixa. A corrida contra o tempo indica oferta de patrimônio a preços aviltados, abaixo do valor de mercado, repetindo […]

Petroleiros protestaram contra venda de refinaria pela metade do preço. Foto: Pedro Henrique Caldas/Sindipetro Bahia
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Às vésperas das eleições, a Petrobras insiste em seguir adiante com sua política de liquidação de ativos públicos. Agora, mais do que nunca, a toque de caixa. A corrida contra o tempo indica oferta de patrimônio a preços aviltados, abaixo do valor de mercado, repetindo a experiência nefasta da privatização da refinaria baiana Landulpho Alves (Rlam) e sua infraestrutura logística vendidas ao fundo árabe Mubadala, por US$ 1,8 bilhão, no final do ano passado – valor muito abaixo dos cerca de US$ 3 bilhões estimados inicialmente pela Petrobrás e pelo Ineep. Abaixo também de projeções feitas por bancos de investimento, como XP e BTG 

A menos de 50 dias do pleito, a Petrobras comunicou, no último dia 19, o início da denominada fase não vinculante nos processos de venda de ativos em refino e logística associada no país, que inclui as refinarias Abreu e Lima (RNEST) em Pernambuco, Presidente Getúlio Vargas (REPAR) no Paraná, e Alberto Pasqualini (REFAP) no Rio Grande do Sul. A companhia alega que a operação está “alinhada à estratégia de otimização do portfólio e à melhoria de alocação do capital da companhia, visando à maximização de valor e maior retorno à sociedade”.

Maior retorno à sociedade, não. Maior retorno aos acionistas, contemplados em 2021 e no primeiro semestre de 2022, com dividendos recordes e abusivos de R$ 237,6 bilhões, superiores ao lucro líquido acumulado no mesmo período, de R$ 205,9 bilhões. Grande parte do lucro da companhia veio da privatização de ativos e de receitas de vendas internas de derivados de petróleo com altos preços de PPI (preço de paridade de importação), além da forte redução dos investimentos da Petrobras.

Os números são estarrecedores: Somente no segundo trimestre deste ano, a distribuição de dividendos da Petrobras, de R$ 87,8 bilhões, foi 8 vezes maior do que os investimentos realizados pela petroleira no período, de R$ 10,7 bilhões, conforme mostram relatórios financeiros da Petrobras. O megadividendo é também 162% maior que o lucro líquido registrado em abril/junho último, de R$ 54,3 bilhões.

Tamanha relação entre dividendo/lucro/investimento jamais foi vista. Ao abrir mão de sua capacidade de geração de caixa para distribuir a seus acionistas, a Petrobras reduz seu capital, seu patrimônio, e diminui sua possibilidade futura de investimento.

A estratégia curto prazista da Petrobras, com sua política de privatização de refinarias, ganhou reforço na mídia, nos últimos dias, com análises equivocadas de economistas ligados ao mercado financeiro, que advogam que a Petrobras precisa deixar o refino e seus investimentos para as empresas privadas. Para facilitar esse processo, sugerem que seja alterada toda a regulação do setor.

Opiniões críticas a investimentos da Petrobras em refino têm alvo direcionado. O projeto de construção de novas refinarias pela estatal faz parte do programa de governo do candidato Lula, que lidera as pesquisas de intenção de votos.

Cabe destacar que desde 1997 o segmento é aberto aos investimentos privados e que eles foram ínfimos para o aumento da capacidade de refino brasileira, ficando a cargo da Petrobras investir mais de US$ 85 bilhões em aumento de capacidade de refino e melhoria da qualidade de produtos, entre 2003 e 2014.

Não existe monopólio de refino no Brasil, qualquer empresa tem liberdade pode fazer uma refinaria. Novos investimentos são bem-vindos. Porém, é muito fácil alguém vir aqui comprar a refinaria montada, a preço de banana. Isso não é investimento, é simples transferência de titularidade de ativo. 

Junta-se a isso a falácia repetida pela administração da Petrobras de que a privatização de refinarias estimula a concorrência e reduz preço de derivados. A experiência de venda da Rlam mostrou na prática a criação de monopólio privado regional, tendo a rebatizada refinaria de Mataripe, então dona absoluta do mercado,  praticado os mais altos preços de gasolina do país, além de ter suspendido o fornecimento de óleo bunker a navios no porto de Salvador.

O Brasil tem capacidade de produzir e refinar o seu petróleo no país. Mas a política de preço de paridade de importação (PPI), implementada por Temer em outubro de 2016 e mantida por Bolsonaro, tem promovido a importação de combustíveis e a exportação de petróleo cru. Cerca de 50% do petróleo cru produzido no Brasil tem sido exportado. Enquanto isso, cerca de 30% do mercado de combustíveis tem sido ocupado por importados, na maior parte dos Estados Unidos, com ociosidade proporcional do parque de refino brasileiro. 

Ao se estabelecer o preço de acordo com o mercado internacional, a importação foi estimulada e a produção de derivados da estatal caiu, mesmo a companhia sendo capaz de atender toda demanda nacional. Com isso, os investimentos em refino foram reduzidos, caindo do patamar de US$ 7,8 bilhões em 2014, para apenas US$ 930 milhões em 2021, segundo dados da Petrobras.

De 2003 a 2014, a Petrobras aumentou sua produção de refinados em 32%, passando de 1,6 milhão de boe/dia, para 2,17 milhões de boe/dia. De 2015 ao primeiro trimestre de 2022, a produção da empresa declinou 15%, caindo para 1,73 milhão de boe/dia. O projeto firmado pelo governo Bolsonaro com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que prevê a venda de oito das 13 unidades de refino da empresa (o que corresponde a cerca de 50% da capacidade de refino da Petrobras),e a redução dos investimentos têm efeitos diretos sobre a produção de derivados da Petrobras, reduzindo seu potencial de processamento.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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