Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

As tais fotografias

Rever essas fotos, todas em preto e branco, é uma emoção que ainda não acabou

Foto: Arquivo Pessoal
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Conversando com uma amiga sobre inteligência artificial, o progresso da ciência, a mudança do cotidiano na vida das pessoas, o rumo que esse nosso mundo tomou, chegamos às tais fotografias.

Ela me contou a emoção que era quando o marido ia até a Fotóptica buscar as fotos que passaram a semana ali, revelando. A emoção que era abrir aquele envelope, separar os negativos e ir apreciando uma a uma.

Foi aí que ela comentou que, todos os dias, conversa com os dois netos que moram em Londres, pelo Zoom. Todo santo dia. Acha ótimo. Mas a emoção que ela disse ter ido embora é aquela de passar horas contando tudo sobre o país que visitamos, no dia da volta. Os netos, quando chegam para passar uma temporada aqui, já contaram tudo.

Como é a vida lá?

Que língua falam?

O que comem?

O que bebem?

Qual é a moeda?

Faz frio?

Você sentia saudade de quê?

Nada disso, ninguém pergunta mais.

Hoje ninguém pergunta mais nada. A pessoa passa doze horas voando dentro de um avião e, quando chega, parece que não tem nenhuma novidade para contar.

Mas voltemos às tais fotografias. O marido dela chegava em casa, ela abria o pacote e ia se deliciando com cada chapa. Tia Vitória soprando o bolo, o Henrique no velocípede, a família toda reunida, o chifre na cabeça de tio Izidro feito pelo sobrinho encapetado, o banho de mangueira da meninada, essas coisas do dia a dia.

Uma ou duas fotos vinham sempre meio fora de foco. Algumas com as pessoas com os olhos vermelhos, outras com alguém de olho fechado, uma sempre queimava. Não havia perfeição no conjunto da obra.

O que chamou de fim da emoção, ela justificou.

Hoje uma pessoa vê um gato e dispara o celular, fazendo uma meia dúzia de fotografias que vão repousar eternamente na nuvem do computador, ou simplesmente, cinco delas serão apagadas, numa só clicada.

Eu contei pra ela que guardo, em casa, em caixas de sapato, centenas de fotografias em preto e branco da família. São fotos históricas, mas só para mim, parece que não interessam a mais ninguém.

Tia Lili passeando com tio Carlinhos na Avenida Afonso Pena, as Bodas de Ouro dos meus avós, minha prima Maria Helena segurando uma boneca, o casamento de tio Zezé com tia Helena, meus irmãos posando no estúdio Constantino, Marco Aurélio num tamborete, a primeira comunhão de Verinha, são fotos que não acabam mais.

Rever essas fotos, todas em preto e branco, é uma emoção que ainda não acabou, ela disse.

Eu concordei.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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