Educação
As lacunas da tese de que o Brasil já investe o suficiente em Educação
É um enorme reducionismo supor que é possível resolver os problemas educacionais brasileiros apenas aprimorando a gestão, pagando bônus e aplicando provas


O Plano Nacional de Educação (PNE) em vigor no Brasil está em seu último ano de vigência, já que foi prorrogado, passando a valer de 2014 a 2025, um ano além do especificado inicialmente. Um novo PNE para o próximo decênio está em discussão na Câmara dos Deputados em uma Comissão Especial constituída para analisar o Projeto de Lei 2614/2024 encaminhada pelo governo federal que “aprova o Plano Nacional de Educação para o decênio 2024-2034”. Um ponto crucial em discussão está relacionado a como financiar as metas a serem alcançadas.
No âmbito da Comissão, repete-se a tese de que o país já investe o suficiente para que os estudantes brasileiros apresentem melhores desempenhos em avaliações internacionais, como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), aplicado pela OCDE a jovens de 15 anos em leitura, matemática e ciências. Essa visão, reforçada em falas de autoridades e pesquisadores, costuma atribuir os baixos resultados à má gestão educacional, defendendo como soluções políticas de bônus a professores e diretores, provas periódicas de larga escala e até punições a escolas que não atinjam metas.
Mas os dados sugerem outra realidade. A OCDE publica os investimentos por aluno de 6 a 15 anos em dólares por paridade de poder de compra (US$/PPC), permitindo comparações entre países. Em 2022, Singapura, líder em Leitura (575 pontos), investiu US$/PPC 116.112 por estudante. Macau, segundo colocado (552 pontos), aplicou US$/PPC 195.581; o Japão, quinto lugar (536 pontos), US$/PPC 101.399; e a Coreia do Sul, sexta posição, US$/PPC 144.485. Já os Estados Unidos investiram US$/PPC 143.383 para um resultado de 465 pontos, e a Alemanha, US$/PPC 121.062 para 475 pontos. O Brasil, em contraste, aplicou apenas US$/PPC 37.054, alcançando 379 pontos.
É evidente que o patamar brasileiro de investimento é muito inferior ao dos países que lideram o ranking. Diversos fatores dependem diretamente do volume de recursos aplicados: remuneração e carreira docente, condições de trabalho dos profissionais de educação, jornada escolar parcial ou integral, entre outros. Os salários de professores brasileiros ilustram essa defasagem: um início de carreira em torno de US$/PPC 14 mil anuais, contra uma média de US$/PPC 35 mil nos países da OCDE. Por isso, setores do campo educacional defendem que a meta de investimento equivalente a 10% do PIB seja mantida no novo PNE.
Outro aspecto crucial: 80% dos estudantes brasileiros de 6 a 15 anos frequentam escolas públicas e vêm de famílias de baixa renda e baixa escolaridade. Isso cria obstáculos adicionais para a construção de uma base cultural que favoreça a aprendizagem antes mesmo da entrada na educação infantil.
A aprendizagem é um processo complexo, que envolve o que há de mais sofisticado na experiência humana. Reduzi-la a mecanismos de gestão, bônus financeiros e sucessivas provas padronizadas é um equívoco que, além de ineficaz, induz valores questionáveis desde cedo — competição desmedida, monetização do aprendizado e um treinamento quase mecânico em lugar da formação integral.
A educação básica deve ir além: precisa oferecer experiências que ampliem o intelecto, promovam solidariedade, colaboração e inclusão. Só assim poderá contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, sustentável e democrática.
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