Aldo Fornazieri

Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde é professor. Autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

As instituições democráticas não estão funcionando em favor do povo

A crise de legitimidade, na população, manifesta-se sob a forma de descrédito nas instituições e descrença na política

O presidente da República, Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP
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A crise de legitimidade da democracia brasileira é vasta e prolongada. Os seus sintomas apareceram de forma explícita nas manifestações de 2013 e, de lá para cá, só se agravaram. As eleições presidenciais de 2014 não conseguiram repactuar o patamar mínimo de consensos necessários, tanto na relação entre a sociedade e o governo quanto no interior das elites políticas e no Congresso. O impeachment-golpe agravou a crise, que desceu vários degraus durante o governo Temer. Esse governo nasceu sob a égide da suspeição, não estabilizou politicamente o País, atacou com violência os direitos dos cidadãos e acabou de forma melancólica.

As eleições presidenciais de 2018 também não conseguiram superar a crise. Ao contrário, com Bolsonaro no comando do País, a mentira foi institucionalizada como método de governo e o próprio presidente tornou-se o principal fabricante de crises sucessivas, arrastando para o lodaçal as outras instituições e a maioria de seus agentes. A rigor, Bolsonaro provocou uma paralisação do funcionamento das instituições democráticas e só nos últimos tempos se verifica uma reação através do STF e da CPI do Senado.

A legitimidade da democracia implica a existência de um número significativo da população que se põe em consenso acerca da satisfatoriedade em relação ao funcionamento das instituições e aos resultados que elas produzem. A crise de legitimidade, por consequência, significa o alto grau de insatisfação da população acerca do funcionamento e dos resultados que as instituições democráticas produzem.

As eleições presidenciais de 2014 não conseguiram repactuar o patamar mínimo de consensos necessários

As instituições da democracia, destacadamente o governo, o Congresso e o Judiciário, estão hoje em contradição com a maior parte da sociedade, pois não conseguem atender às suas demandas e satisfazer suas necessidades. A falta de direitos, os milhões de famintos e de desempregados, a perda do poder aquisitivo dos assalariados, a inflação, a falta de perspectivas de futuro, as crises na educação, saúde, habitação e de todas as áreas de direitos sociais e trabalhistas são provas contundentes e irrefutáveis de que as instituições da democracia não estão funcionando em favor do povo. Pelo contrário, funcionam contra o povo.

A crise de legitimidade, na população, manifesta-se sob a forma de descrédito nas instituições e descrença na política. Ou seja, a população é dominada por um sentimento de revolta latente, incapaz de se tornar rejeição e mobilização abertas contra o sistema perverso. Essa impotência é fruto da inexistência de lideranças, movimentos e partidos autenticamente populares, mudancistas e reformadores no sentido radical dos termos.

As oposições que estão aí, incluindo os partidos de esquerda, são oposições que fazem parte do sistema em crise. São partidos capturados pelo Estado. Fundem seus interesses e seus privilégios com esse Estado. Os dirigentes partidários, as burocracias e os parlamentares e assessores de todos os partidos parlamentares, em que pesem as diferenças, integram a elite que fomenta e vive da crise.

A última rodada de pesquisas do Datafolha acerca do que a população pensa das instituições não deixa dúvidas sobre a crise de legitimidade. A avaliação de Bolsonaro não para de piorar: na pesquisa de setembro, apenas 22% julgam o seu desempenho como bom e ótimo e 53% o reprovam. Por sua vez, o Congresso é avaliado como bom e ótimo por apenas 13%, contra 44% que reprovam sua atuação. Em julho deste ano, a reprovação era de 38%. A avaliação do STF manteve-se estável, passando de 24% em julho, para 25% em setembro. O Datafolha pesquisou o nível de confiança da população em dez instituições. As Forças Armadas alcançaram o nível mais alto de confiança com 76%, contra 22% de desconfiança, mas crescente. Já, os partidos políticos, tiveram o pior resultado com desconfiança de 61%. O nível de desconfiança aumentou também em relação à imprensa, às redes sociais e ao Ministério Público.

O crescimento da desconfiança dos brasileiros em relação às instituições revela o mal-estar da população. O desempenho do Congresso e dos partidos merece atenção. O primeiro deveria ser a expressão da representação do povo. A conduta de Arthur Lira em relação aos desmandos de Bolsonaro é de uma conivência cúmplice com os crimes do presidente. E o presidente do Senado não tem a contundência necessária para enfrentar os ataques à democracia perpetrados por Bolsonaro. As democracias modernas são definidas como democracias de partidos. Mas os partidos se tornaram órgãos do Estado, contra a sociedade. O desempenho de todos eles é pífio. Tire-se a CPI e sobra pouco. Outro caminho é necessário.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1177 DE CARTACAPITAL, EM 30 DE SETEMBRO DE 2021.

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