Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

As escolas estão fechadas há mais de um ano: a culpa não é dos professores

A reabertura das escolas requer uma política nacional de vacinação, como também a redução dos índices de contágio e do número de mortes

Sala de aula vazia||
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Desde março de 2020, a maioria de nós, professores, não sabe o que é entrar em uma sala de aula, ouvir o barulho dos corredores, encontrar alunos e colegas, atender pais, mães e avós, tomar um café rápido na cantina. A Covid-19 tirou de muitos de nós o convívio físico e as experiências valiosas que ele proporciona.

Imaginamos que a quarentena não passaria de dois meses. Mais de um ano depois, praticamente todas as escolas permanecem fechadas. A única certeza que temos é a de que um abismo profundo se abre na educação, penalizando, sobretudo, os mais pobres. O que vemos é a morte do futuro. E a culpa não é nossa.

Nos últimos 13 meses, tivemos nossa rotina implodida. Vimos o nosso trabalho triplicar, invadir nossas casas sem hora para acabar. De repente, fomos lançados em um mundo desconhecido por mais de 90% da categoria docente, uma vez que, em nossa formação, não fomos preparados para o ensino remoto, à distância. Sem capacitação, conforme prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/96), e incentivos financeiros para a compra de equipamentos necessários para a nova experiência de trabalho, como computadores e pacotes de dados de internet, temos nos desdobrado para cumprir o papel social da educação.

Estamos cansados, esgotados, emocionalmente adoecidos. Estudos dão conta de que uma infinidade de professores estão sendo acometidos pela síndrome de burnout, distúrbio que provoca sintomas como exaustão, alterações no sono, dores musculares e falhas na memória, resultantes das jornadas extenuantes de teletrabalho e do cenário desolador em que vivemos. Ainda assim, diariamente buscamos maneiras de manter o vínculo dos estudantes com a escola, como também garantir o processo de ensino-aprendizagem.

Nesse contexto, em diversas ocasiões, caminhamos sós. Aqui, não me refiro às salas virtuais em que muitas vezes falamos para telas completamente fechadas, sem rostos, sem corpos, sem expressões, mas à falta de uma política nacional de Educação com diretrizes bem definidas para o enfrentamento desse momento tão extremo, adverso, em que a evasão escolar, o luto, a dor, o desemprego, a fome e a desesperança tomam conta do país. A omissão, o descaso e a indiferença têm sido uma política de governo.

De acordo com o relatório divulgado recentemente pela organização Todos pela Educação, 2020 foi o ano com menor gasto do MEC com Educação Básica desde 2010. Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S.Paulo, ao ser perguntado sobre o agravamento das desigualdades educacionais em razão da pandemia, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, limitou-se a dizer que elas já existiam, sendo assim, não são de responsabilidade da atual gestão.

Como se não bastasse, em fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro vetou de maneira integral o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados que previa auxílio financeiro de R$ 3,5 bilhões da União para estados, Distrito Federal e municípios garantirem acesso à internet para alunos e professores das redes públicas de ensino.

No momento em que a média diária de mortes no Brasil tem ultrapassado a casa dos 3.000 e o sistema de saúde encontra-se colapsado, o debate em torno da reabertura das escolas emerge novamente, desta vez, pautado na ameaça e na criminalização dos professores, colocando-nos como os grandes responsáveis pelo fato de as escolas permanecerem fechadas. Para atender principalmente aos interesses das redes privadas de ensino, na última terça-feira, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do Projeto de Lei 5595/20, que torna a educação presencial “serviço ou atividade essencial”, obrigando a reabertura de escolas e faculdades durante a pandemia. Como argumento para tal medida, em entrevista à CNN, o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) usou as seguintes palavras:

“Não tem nenhuma razão para os professores não estarem dando aulas. O profissional da saúde está indo trabalhar, o profissional da segurança está indo trabalhar, o pessoal do comércio está indo trabalhar, só os professores não querem trabalhar. (…) É um absurdo a forma como nós estamos permitindo que professores causem tantos danos às nossas crianças. (…) O professor não quer se atualizar, não quer se modernizar, essa é a verdade. Já passou em um concurso, está esperando se aposentar, não quer aprender mais nada”.

Além de leviana e ofensiva, a fala do deputado não corresponde à realidade. Conforme escrevi anteriormente – e é sentido diariamente por nós professores –, desde que as escolas foram fechadas, não deixamos de trabalhar um único dia. Apesar de todas as dificuldades, os professores têm sido em grande medida responsáveis pela garantia da continuidade dos estudos por parte dos estudantes. Os dados não deixam dúvidas: a negligência é oriunda daqueles que têm o dever legal e moral de criar condições necessárias para a reabertura das escolas, com investimentos e ações no campo da educação, da saúde e da assistência social.

Além de tentar desqualificar os servidores públicos, durante a entrevista, Ricardo Barros ainda argumentou que na Europa as escolas foram reabertas. Propositalmente, ele “esqueceu” de dizer que em países como França e Alemanha, houve políticas públicas que permitiram a permanência de trabalhadores em casa, como também campanhas educativas em nível nacional incentivando o distanciamento social e o uso de máscaras, o que jamais aconteceu aqui. Além disso, o retorno às aulas se deu em momentos de diminuição do contágio do coronavírus.

Atualmente, o Brasil ostenta o título de epicentro mundial da pandemia. Não há qualquer sinal de que esse quadro mude a curto prazo, muito pelo contrário. Os indicadores mostram que o número de vítimas da Covid-19 tende a crescer nas próximas semanas. Sobre o retorno às aulas, o cientista Miguel Nicolelis foi categórico:

“Não é possível ter aulas presenciais com a pandemia fora de controle (…). Em todas os países… Israel, França, Reino Unido, em que as escolas abriram fora do tempo, elas tiveram que ser fechadas, porque nós começamos a ver infecções entre professores e funcionários. (…) E agora começamos a ver o aumento da taxa de ocupação das UTIs pediátricas do Brasil, o que não havia na primeira onda. (…) As escolas não podem estar funcionando, elas têm que ser fechadas (…). Evidentemente, todos nós sabemos que isso é danoso, não é o desejável, mas entre perder a vida e ficar alguns meses a mais sem escola, é preferível ficar sem a escola e sobreviver”.

Assim como Miguel Nicolelis, temos consciência de que as escolas fechadas impactam negativamente não só na vida dos estudantes, mas na nossa, na dos familiares, na sociedade como um todo. Contudo, nesse momento da pandemia, a reabertura das escolas configura um ato de irresponsabilidade, que empurra professores, alunos e toda comunidade escolar para a morte. Somente no estado de São Paulo, em um mês de retorno às aulas presenciais, cerca de 20 professores perderam a vida.

A reabertura das escolas requer uma política nacional de vacinação que realmente mereça esse nome e contemple toda a população, como também a redução dos índices de contágio e do número de mortes. Requer ainda planejamento e protocolos de segurança. O que nos cabe, temos feito desde a segunda quinzena de março de 2020, quando o ensino presencial foi suspenso.

As escolas devem permanecer fechadas até que todos possam voltar de maneira segura. Se ainda não há condições para que isso ocorra, a culpa não é dos professores.

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