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Opinião

Artigo: Legalidade na administração pública e a lei privada do mercado

‘O país está submetido a austeridade fiscal em plena ausência de crescimento econômico’, escrevem Marcio Pochmann e Jiao Jianan

(Arquivo Marcelo Casall Jr./Agência Brasil) (Arquivo Marcelo Casall Jr./Agência Brasil)
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Por Marcio Pochmann e Jiao Jianan*

A onda viral que terminou contaminado o mundo nos primeiros meses de 2020 rapidamente se constituiu no elemento central de significativa excepcionalidade. O inesperado encontrou os setores tanto público como privado aflitos por encontrar solução efetiva e imediata.

Mas cada um a seu modo reagiu diante de condições existenciais diferenciadas. A Administração Pública, por exemplo, ao operar sem liberdade e vontade pessoal, permaneceu a constrangida exclusivamente pelo que a legislação previamente autoriza o seu funcionamento em condições normais.

No setor privado, pelo contrário, a liberdade e vontade pessoal caracterizam-se por serem legítimos motivadores de sua operacionalidade tradicional, cuja licitude encontra-se generalizada em tudo o mais que a lei não proibir. Mesmo assim, as condicionalidades são amplas, submetidas ao padrão vigente da concorrência definido por estruturas rígidas de mercado.

No caso brasileiro, a administração pública encontra-se submetida ao regime de austeridade fiscal em plena ausência de crescimento econômico nos últimos cinco anos. Além disso, as mudanças legislativas nas relações trabalhista e previdenciária também se fizeram manifestar sob o domínio dos gestores a frente do poder público.

Por outro lado, a sequência da desindustrialização nacional tornou a estrutura produtiva interna mais vulnerável às importações, sobretudo de manufaturas. Diante do avanço nas cadeias globais de valor nas últimas décadas de crescente interdependência das nações, a produção industrial se deslocou para a Ásia, sem paralelo anterior.

Desde o começo do mês de março deste ano, com a disseminação da pandemia do coronavírus, os setores público e privado operaram com obstáculos estruturais de suas respectivas formas de funcionamento, adicionados pela excepcionalidade. Em decorrência da massificação da contaminação pela Covid-19, a crise na saúde evoluiu rapidamente para a situação de calamidade e emergência pública, ainda mais diante inexistência adequada de estoques de insumos e medicamentos.

Em decorrência do risco crescente do desabastecimento, a determinação de compras públicas imediatas encontrou no canário de escassez da oferta interna para insumos, medicamentos e equipamentos de saúde. A alternativa da importação se realizou demarcada pela instabilidade e ascendência da taxa de câmbio e por intensa demanda de várias localidades do Brasil e do mundo sobre poucos países exportadores, sobretudo da China.

Pela lei privada do mercado, de oferta e procura, as importações na área da saúde passaram a conviver com a escalada de preços e difícil atendimento diante da demanda inesperada e crescente do mundo. Neste grave cenário de ampla profusão viral no mundo, o comércio externo sofreu descontinuidade pela dificuldade da oferta realmente existente de atender a demanda associada aos limites do transporte aéreo dos equipamentos, remédios e insumos para a saúde pública.

Nestas circunstâncias excepcionais que gestores públicos brasileiros e empresários no ramo de remédios, insumos e equipamentos da saúde precisaram operar diretamente no enfrentamento da pandemia da Covid-19. O distanciamento desta realidade específica tem alimentado, em algumas vezes, o questionamento de órgãos públicos voltados à fiscalização, acompanhada pelos meios de comunicação.

O caso da empresa médica chinesa MEHECO de referência internacional (ISO9001 e ISO13485) permite exemplificar e materializar o curso da realidade nos circuitos de produção e comércio externo. O seu melhor conhecimento permitiria oferecer outra narrativa que não fosse o viés instrumentalista a destoar da realidade estabelecida.

Sobre isso, aliás, o grande mestre da educação brasileira, Paulo Freire, debatia-se, tem certo tempo, a respeito da concepção “bancária” da educação, tida como instrumento da opressão. Tanto mais ingênua, a transmissão da informação poderia assumir a forma de depósitos parcializados da realidade, adaptando-se ao status quo vigente.

A realidade que se impõe exige o entendimento que o Brasil possui parceiros estratégicos, que possuem empresas de excelência mundial, que estão estabelecidas no país, mas que fazem parte de uma cadeia internacional de investimento, que geram emprego e renda. Dessa forma, os órgãos de fiscalização precisam adaptar seus critérios técnicos e prazos para enfrentar períodos complexos, como no caso de pandemias globais.

O que envolve o debate sobre como estes órgãos devem buscar ritos com prazos e esclarecimentos prévios das empresas estrangeiras, que trabalham com regras de mercado internacionais. Assim preservando a imagem destas empresas, bem como as relações do Brasil com a comunidade empresarial global. Estabelecendo protocolos de consulta, o que gerará um ambiente previsível para os negócios existentes e as oportunidades futuras.

Marcio Pochmann, PhD em economia (Unicamp), ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), à época, órgão vinculado à Presidência da República do Brasil. Foi representante do Brasil em organismos internacionais como Organização Internacional do Trabalho (OIT) e coorganizou o primeiro encontro de inteligência dos BRICs (2019)

Jiao Jianan, gerente comercial da Meheco China e representante legal da Meheco no Brasil.

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