Drauzio Varella

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Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

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Aprendizados pandêmicos

Estudos recentes mostram que o dilema entre adotar medidas de isolamento social ou preservar a economia é falso

Drauzio Varella
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Em 2020, em um mundo sem vacinas contra a Covid-19, a única opção dos governos para evitar o colapso do sistema de saúde e até dos serviços funerários foi a de impedir a movimentação e as aglomerações humanas.

Fechar cidades e recomendar que seus habitantes fiquem em casa tem custos óbvios: optar pelas aulas virtuais impacta na educação das crianças; manter o comércio de portas fechadas cria problemas financeiros e sociais; isolar pessoas em casa aumenta o risco de transtornos psiquiátricos e violência doméstica. Por outro lado, as vantagens não são fáceis de avaliar.

Com uma evidência os cientistas concordam: os países que adotaram rapidamente as medidas restritivas conseguiram, ao mesmo tempo, reduzir o número de mortes e preservar a economia.

Em setembro deste ano, a revista ­Nature fez uma análise dos principais estudos sobre o tema:

1. As providências tomadas em Wuhan, na China, assim que surgiram os primeiros casos, demonstraram que medidas radicais como fechamento de fronteiras, internações de pessoas com ­Covid-19 em hospitais de campanha e isolamento domiciliar reduziram drasticamente o número de casos.

2. Estudo conjunto de pesquisadores do Imperial College, de Londres, e da Universidade de Copenhague analisou os dados de 11 países europeus. A conclusão foi: a queda nos níveis de disseminação viral proporcionada pelo isolamento social teria poupado 3 milhões de vidas.

Essa, no entanto, não levou em conta as mudanças voluntárias de comportamento provocadas pelas mortes por Covid-19, mesmo na ausência de medidas mandatórias de isolamento.

Por exemplo, na Flórida foi documentada uma redução clara da mobilidade urbana durante a primeira onda, duas semanas antes do decreto de isolamento, em resposta às notícias de hospitais com caminhões frigoríficos à porta, em Nova York.

3. Na Suécia, em que as restrições foram tímidas, com escolas abertas e o comércio em funcionamento, o número de mortes foi menor do que em países europeus que adotaram medidas mais restritivas. Na Suécia, entretanto, a população confiou nas recomendações das autoridades: evitar aglomerações e reduzir o número de contatos sociais. Ainda assim, o número de mortes foi bem maior do que na Dinamarca, Noruega e Finlândia.

4. Embora não esteja definida a maneira ideal de avaliar os resultados do isolamento, depois de estudar os números em 100 países, pesquisadores de Oxford observaram que quanto mais restritivas foram as medidas adotadas mais baixo o número de mortes.

5. É mais difícil, entretanto, avaliar quais medidas de isolamento são as mais eficazes na contenção da epidemia. A maioria dos autores considera que as mais eficientes são as de restringir pequenas reuniões sociais e impor o fechamento de escolas e estabelecimentos comerciais. Depois delas, vêm o fechamento de fronteiras e o isolamento social no país inteiro, além de auxílio governamental para populações vulneráveis. Checagem das condições de saúde de viajantes em aeroportos não traz benefícios.

6. Os dados do período pré-vacinação demonstram que a estratégia de implementar com rapidez medidas de isolamento abrangentes obtém resultados melhores do que aguardar para fazê-lo. Os exemplos são os países situados em ilhas, como Islândia, Austrália e Nova Zelândia que fecharam fronteiras e impuseram o isolamento antes que o vírus chegasse.

7. Medidas isolacionistas nem sempre reduzem a mortalidade, especialmente, em países com altos índices de trabalho informal, que inviabiliza o isolamento do trabalhador. É o caso do Peru que, apesar de ter adotado medidas precoces de isolamento, apresentou taxas de mortalidade mais altas do que os países da região. É provável que o mesmo tenha ocorrido no Brasil.

8. A dicotomia de que o isolamento envolve a escolha entre salvar vidas ou a economia é falsa. Se o isolamento não tivesse sido imposto em 2020 no Reino Unido, segundo Stuart McDonald que fundou a comunidade de especialistas ­COVID ­Actuarial Response Group, o sistema hospitalar teria entrado em colapso, o número de mortes por outras doenças aumentado e a economia estagnado.

9. As estratégias de isolamento ao redor do mundo nos deram outra lição: elas acentuam desigualdades sociais ­preexistentes. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1239 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE DEZEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Aprendizados pandêmicos”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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