Em 2020, em um mundo sem vacinas contra a Covid-19, a única opção dos governos para evitar o colapso do sistema de saúde e até dos serviços funerários foi a de impedir a movimentação e as aglomerações humanas.
Fechar cidades e recomendar que seus habitantes fiquem em casa tem custos óbvios: optar pelas aulas virtuais impacta na educação das crianças; manter o comércio de portas fechadas cria problemas financeiros e sociais; isolar pessoas em casa aumenta o risco de transtornos psiquiátricos e violência doméstica. Por outro lado, as vantagens não são fáceis de avaliar.
Com uma evidência os cientistas concordam: os países que adotaram rapidamente as medidas restritivas conseguiram, ao mesmo tempo, reduzir o número de mortes e preservar a economia.
Em setembro deste ano, a revista Nature fez uma análise dos principais estudos sobre o tema:
1. As providências tomadas em Wuhan, na China, assim que surgiram os primeiros casos, demonstraram que medidas radicais como fechamento de fronteiras, internações de pessoas com Covid-19 em hospitais de campanha e isolamento domiciliar reduziram drasticamente o número de casos.
2. Estudo conjunto de pesquisadores do Imperial College, de Londres, e da Universidade de Copenhague analisou os dados de 11 países europeus. A conclusão foi: a queda nos níveis de disseminação viral proporcionada pelo isolamento social teria poupado 3 milhões de vidas.
Essa, no entanto, não levou em conta as mudanças voluntárias de comportamento provocadas pelas mortes por Covid-19, mesmo na ausência de medidas mandatórias de isolamento.
Por exemplo, na Flórida foi documentada uma redução clara da mobilidade urbana durante a primeira onda, duas semanas antes do decreto de isolamento, em resposta às notícias de hospitais com caminhões frigoríficos à porta, em Nova York.
3. Na Suécia, em que as restrições foram tímidas, com escolas abertas e o comércio em funcionamento, o número de mortes foi menor do que em países europeus que adotaram medidas mais restritivas. Na Suécia, entretanto, a população confiou nas recomendações das autoridades: evitar aglomerações e reduzir o número de contatos sociais. Ainda assim, o número de mortes foi bem maior do que na Dinamarca, Noruega e Finlândia.
4. Embora não esteja definida a maneira ideal de avaliar os resultados do isolamento, depois de estudar os números em 100 países, pesquisadores de Oxford observaram que quanto mais restritivas foram as medidas adotadas mais baixo o número de mortes.
5. É mais difícil, entretanto, avaliar quais medidas de isolamento são as mais eficazes na contenção da epidemia. A maioria dos autores considera que as mais eficientes são as de restringir pequenas reuniões sociais e impor o fechamento de escolas e estabelecimentos comerciais. Depois delas, vêm o fechamento de fronteiras e o isolamento social no país inteiro, além de auxílio governamental para populações vulneráveis. Checagem das condições de saúde de viajantes em aeroportos não traz benefícios.
6. Os dados do período pré-vacinação demonstram que a estratégia de implementar com rapidez medidas de isolamento abrangentes obtém resultados melhores do que aguardar para fazê-lo. Os exemplos são os países situados em ilhas, como Islândia, Austrália e Nova Zelândia que fecharam fronteiras e impuseram o isolamento antes que o vírus chegasse.
7. Medidas isolacionistas nem sempre reduzem a mortalidade, especialmente, em países com altos índices de trabalho informal, que inviabiliza o isolamento do trabalhador. É o caso do Peru que, apesar de ter adotado medidas precoces de isolamento, apresentou taxas de mortalidade mais altas do que os países da região. É provável que o mesmo tenha ocorrido no Brasil.
8. A dicotomia de que o isolamento envolve a escolha entre salvar vidas ou a economia é falsa. Se o isolamento não tivesse sido imposto em 2020 no Reino Unido, segundo Stuart McDonald que fundou a comunidade de especialistas COVID Actuarial Response Group, o sistema hospitalar teria entrado em colapso, o número de mortes por outras doenças aumentado e a economia estagnado.
9. As estratégias de isolamento ao redor do mundo nos deram outra lição: elas acentuam desigualdades sociais preexistentes. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1239 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE DEZEMBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Aprendizados pandêmicos”