Opinião

Após impunidade pela ditadura, Bolsonaro e cia. terão de purgar exemplarmente suas culpas

Para que esse ciclo se encerre, é necessário que a justiça seja feita, por nós, pelos que vieram antes e pelos que virão depois

Após impunidade pela ditadura, Bolsonaro e cia. terão de purgar exemplarmente suas culpas
Após impunidade pela ditadura, Bolsonaro e cia. terão de purgar exemplarmente suas culpas
O ex-ministro da Defesa Braga Netto e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP
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“Uma civilização de amor que não exige a justiça dos homens não será uma verdadeira civilização” São Oscar Romero

A descoberta do plano da extrema-direita para matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o juiz do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes deverá ter as mais graves consequências para os implicados.

A impunidade pelos crimes cometidos durante a ditadura militar está na raiz de mais esse complô.

Os indiciados, Jair Bolsonaro, Braga Netto, Heleno e mais 33 criminosos terão de purgar exemplarmente suas culpas, se não quisermos que o futuro reserve ainda mais violência a este desafortunado País.

Ao lado disso, será fundamental dar prosseguimento aos processos que envolvem toda a família Bolsonaro, implicada em crimes comuns, como o roubo de salários de assessores, a expensas da população.

No maravilhoso filme de Walter Salles Ainda estou aqui, estrelado por Fernanda Torres, Fernanda Montenegro e Selton Mello, há uma fala profética de Eunice, a esposa do deputado sequestrado Rubens Paiva: “A impunidade leva à repetição dos crimes”.

Exatamente o que estamos vivendo.

Para que esse ciclo se encerre de uma vez, é necessário que a impunidade seja definitivamente rompida e a justiça seja feita, por nós, pelos que vieram antes e nos garantiram um regime democrático e pelos que virão depois de nós, a quem devemos essa herdade.

O filme tem também o mérito de levar aos jovens o que foram os horrores da ditadura militar, inclusive aos do interior do País, onde a cultura é tão relegada, tanto pela direita quanto pela esquerda, infelizmente.

Embora as entradas de cinema não estejam nada baratas, a película adentrou os shopping centers do interior, algo raríssimo.

Ainda melhor, em muitas sessões a película foi entusiasticamente aplaudida.

Concomitantemente, o deputado federal Guilherme Boulos, muito acertadamente, advertiu que os progressistas estão perdendo a guerra cultural para as trevas da direita.

De fato, faz-se necessário que as esquerdas leiam, entendam e ajam conforme preconizara Antonio Gramsci: tendo a certeza de que a cultura é o centro da política e, consequentemente, a chave para se vencer eleições, por meio da conquista da hegemonia.

Para isso, faz-se necessário colocar cultura e espaços de socialização em primeiro lugar do fazer político, tanto do ponto de vista presencial quanto virtual.

A eleição de um historiador, Yamandu Orsi, à Presidência do Uruguai não parece estar fora dessa lógica de trazer significado à política, que não pode se restringir aos significantes belos jingles.

Do contrário, corremos o risco de assistir ao féretro da democracia, como estamos presenciando nos Estados Unidos e na Europa, em que se transformaram em meras plutocracias, nas quais prevalece o poder do dinheiro, em benefício de pouquíssimos, mas em prejuízo das imensas maiorias.

De fato, o 1% mais rico não detém, atualmente, mais riqueza do que os restantes 99% da população mundial?
Como ainda falar em democracia contra um tal pano de fundo?

Em Feuerbach (editora Ideias & Letras), Francesco Tomasoni traz uma bela reflexão sobre a convivência social, por parte do filósofo alemão: “Ele replicava que, exatamente graças ao tempo, o homem mudava e o ladrão podia parar de roubar. Por isso, a pena de morte que o fixava a um ato cumprido era injustificada. A possibilidade de mudança e, portanto, a liberdade dependiam do tempo. Nos budistas, os quais Schopenhauer havia tomado como mestres, Feuerbach encontra o convite a levar em consideração o tempo. Daí a máxima: ‘E você não é livre se nega o tempo, mas se o utiliza e o emprega bem'”.

Com efeito, como não reconhecer, com os chineses, que o tempo não traz a solução, mas é a própria solução?

Como não perceber as coincidências dele, que, como bem notou o pai da psicologia analítica, Carl Gustav Jung, são sincronicidades, em que os acontecimentos aparentemente fortuitos guardam relação intrínseca e profunda entre eles?

Não foi assim no dia 21 último, em que foram imputados dois dos maiores genocidas da atualidade, Jair Bolsonaro e Benjamin Netanyahu, que teve seu mandado de prisão decretado pela Corte Internacional de Justiça, da Haia, por crimes contra a humanidade?

A justiça, em ambos os casos, tardou, mas, afinal, chegou.

Lembremos, sempre com Feuerbach, que “o desejo é locomotiva do pensamento.”

Na mesma obra supracitada, Tomasoni também recorda que para Feuerbach “a tensão em relação a um futuro melhor devia se traduzir no comprometimento para aliviar os sofrimentos dos oprimidos, não na espera por um além”.

Por fim, o autor alemão não se furtou a indicar que são as possibilidades de socialização que definem nossa humanidade: “Apenas a vida em comum é a vida verdadeira, apagada em si, divina”.

Portanto, como poderia a política estar alheia à socialização e à justiça?

Em outra ordem, a socialização não é, per se, uma forma de justiça socioeconômica?

Destarte, e em respeito aos fantasmas alheios, que tal trocarmos socialismo por socialização?

Talvez, supere-se, assim, a primeira barreira.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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