Opinião

Após afronta a ordens de cessar-fogo, não caberia a expulsão de Israel da ONU?

No âmbito nacional, não deveria o Brasil retirar definitivamente o embaixador de Tel Aviv, em vez de apenas chamá-lo para consultas?

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Foto: GIL COHEN-MAGEN/AFP
Apoie Siga-nos no

“Num ser político como Neruda, o engajamento tem de existir. Você não pode separar uma posição política da poesia” – Vinicius de Moraes

Vivemos tempos distópicos (o contrário dos utópicos).

No mesmo dia em que o presidente da França, Emanuel Macron, chegou ao Brasil, anunciando financiamento para a preservação da Amazônia, a dívida pública francesa amontou a 110,06% do PIB.

Ou seja, se fosse uma empresa, a França teria fechado ou estaria em concordata (quando o devedor consegue renegociar suas dívidas), na melhor das hipóteses.

Bem ao contrário, Macron vai pelo mundo, com postura de Estado adimplente e, pior, com bravatas militaristas… contra a Rússia, cuja tecnologia militar supera a de qualquer país ocidental, inclusive dos Estados Unidos da América.

Trata-se, evidentemente, de técnica diversionista, como notou o chanceler russo, Sergey Lavrov.

A imprensa local, das oito famílias, sequer refletiu a respeito, sendo 100% alinhada ao neocolonialismo, que não permite falências ou fracassos, na periferia, como no caso do Haiti, ou no centro, caso da França, dos EUA, da Inglaterra, da Itália, todos devendo mais de 100% dos respectivos PIBs.

Se a realidade desmente os credos neoliberais, tanto pior para a realidade…

Infelizmente, o Brasil, não apenas por sua oligarquia obtusa, mas também por uma diplomacia reclusa, tem ficado aquém de ocupar o lugar que lhe caberia, no questionamento dessa desordem mundial.

Por exemplo, nada se ouviu sobre eventuais avaliações dos governos do Brasil e da França sobre a situação no Haiti e a eventual contribuição de ambas as nações para o resgate daquele país, entregue ao terror das milícias.

Por outro lado, no Oriente Médio, vemos o governo de extrema-direita de Israel ampliar o massacre, bombardeando a embaixada do Irã em Damasco, na tentativa desesperada do primeiro-ministro israelense, genocida, terrorista e ladrão, de ampliar o conflito para o âmbito regional, de sorte que sua prisão seja postergada “ad aeternum“, não importando o custo de vidas.

Às inúteis resoluções da ONU, pedindo um cessar-fogo, o Estado hebreu responde com mais uma violação, gravíssima, do direito internacional: o bombardeio daquela embaixada.

Fica a pergunta: a uma tal afronta à comunidade internacional, não seria melhor excluir Israel dela? Não caberia a expulsão de Israel da ONU?

No âmbito nacional, não deveria o Brasil retirar definitivamente o embaixador de Tel Aviv, em vez de apenas chamá-lo para consultas, como fez o Itamaraty? Inclusive porque ao não ser retirado definitivamente, o embaixador fica no Brasil, recebendo salário de 100 mil reais, mais diárias…

Ainda no terreno da distopia, na semana passada, tivemos manifestação da ex-ministra da Agricultura, uma certa Tereza Cristina, também conhecida como “musa do veneno”, liberando praticamente um agrotóxico por dia durante sua congestão, e a musa pretendeu dar lições (melhor seria “loções”) ambientais a agricultores europeus e ao governo brasileiro.

Seria cômico, se não fosse trágico.

A responsável pela poluição de nossa agricultura, flora, fauna, rios, ares e mares, com substâncias potencialmente cancerígenas (algumas delas proibidas na Europa, pelos riscos que apresentam à saúde humana) querer fazer referência a meio ambiente é um escárnio.

Na verdade, me pergunto como muitos países, inclusive a União Europeia, não consideram um risco à saúde pública importações de certos produtos agrícolas brasileiros, tal a letalidade dos agrotóxicos aqui utilizados e a quantidade, sendo que a Terra de Santa Cruz consome mais deles do que os EUA e a China, juntos…

Nesse sentido, interessante notar que em Cruzar fronteiras, uma urgência para a ética teológica (Editora Santuário), Élio Gasda recorda:

“O sistema do capital foi edificado sobre três pilares que interagem entre si: Capital, Trabalho, Estado. É inconcebível compreender a sociedade contemporânea sem a articulação desse núcleo e suas interconexões globais…Suas engrenagens tornam o sistema expansionista, destrutivo e incontrolável. A tragédia do século XXI é a prova da sua insustentabilidade: devastação ecológica, desumanização do trabalho, colapso civilizatório.”

De forma mais incisiva, o pensamento do autor se complementa:

“Há uma falsa dicotomia entre o ‘pobre’ e os grupos vulneráveis. A privatização de terras e a privatização de corpos fazem parte de um único sistema. A luta pelo direito à terra, por exemplo, e a luta pela autonomia sobre o próprio corpo, quando vistas do ponto de vista da teologia queer, não podem ser separadas como se uma fosse resultado de trabalhadores sérios e a outra uma revolta histérica e burguesa. O projeto de uma sociedade justa e igualitária passa, necessariamente, pelo rompimento com o sistema heterocêntrico em todas as formas de reprodução do capital.”

No mesmo volume, Maria Cristina Furtado, referindo-se a Emmanuel Lévinas, conclui:

“Segundo esse filósofo, na formação da subjetividade, ‘o ser’ fica centrado em si mesmo, e só através da ‘ética da alteridade’, uma ética que surge ao conseguirmos perceber a outra pessoa como única, diferente de nós, com uma vida e necessidade próprias, somos capazes de nos abrir a ela e de caminhar como um ‘subjectum’, direcionado a levar a outra pessoa a obter paz e harmonia, e com ela, nós mesmos e a humanidade.”

Não apenas as relações interpessoais, mas também as internacionais deveriam ter essa capacidade de compreensão e respeito pela alteridade, em qualquer latitude e longitude, incluídas a América do Sul e a Venezuela, em particular.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo