Opinião

Apenas uma profunda conscientização nos salvará do “suicídio nacional”

Em nome de um anticomunismo retardatário, assistimos à destruição de uma nação, povo e demais riquezas

Marcos Corrêa/PR
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“Se o doente tem vergonha de descobrir a sua ferida ao médico, a medicina não pode curar o que ignora.”

São Jerônimo, no Concílio de Trento

Quão grande é o desafio da humildade!

Quão maravilhoso e instigante a certeza de que o outro tem algo a me ensinar, a comigo trocar, a nos completarmos mutuamente.

Essa certeza vale também para as trocas internacionais, que guardam enorme semelhança com as pessoais.

Os russos, imensamente fortes – ao ponto de deterem a supremacia mundial em tecnologia de defesa – usam a mesma palavra “drug” para designar “amigo” e o “outro”.

Só um povo com essa sofisticação semântica poderia ter chegado onde chegou.

Na outra ponta da escala, estão os que veem no outro um inimigo, um criminoso por excelência.

É o caso de “operações” que desrespeitam o princípio constitucional e garantista de que todos são inocentes até prova em contrário.

Também estão nesse baixo patamar os múltiplos programas da TV brasileira que, de forma simplista, maniqueísta, dividem a sociedade entre “pessoas de bem” e “bandidos”.

Não importa se as referidas pessoas de bem atropelam seus semelhantes com carros caríssimos, sonegam impostos ou destroem o meio ambiente.

Compartilham desse submundo o “chefe de estado” e a camarilha que censuram a cultura; incentivam o desmatamento e causam enorme dor, em âmbito nacional e internacional.

Como pessoas tão más podem dominar centenas de milhões de nacionais?

Se usarmos os conhecimentos do filósofo político italiano Antônio Gramsci, talvez possamos investigar como esse fenômeno ocorre.

Gramsci centra a interpretação da política na cultura.

De fato, no caso brasileiro, essa compreensão parece ser muito adequada. As campeãs de audiência – as telenovelas – são importante fonte de dominação ideológica, ainda mais efetivas do que os tão manipulados telejornais, por permitirem que os conteúdos ideológicos sejam transmitidos de forma sub-liminar.

Desse ponto de vista, apenas um trabalho de profunda conscientização poderá nos retirar do caminho que o Embaixador Rubens Ricupero qualificou de “suicídio nacional”.

Com efeito, se a teoria econômica falaciosa do “gotejamento” (“trickle down”) – pela qual a concentração de renda levaria depois à redistribuição da mesma – pôde ser mais uma vez imposta ao país (por meio de golpe de estado), foi, de alguma forma, porque nossa cultura permitiu.

De fato, por meio das novelas, percebemos como a cultura da oligarquia é inoculada nas classes mais baixas, de sorte a disfarçar e perpetuar sua dominação.

Na prática, são utilizados pretextos como o combate à corrupção, ao autoritarismo, às ideologias exóticas (sic) etc. Do outro lado, estaria a defesa da família, da pátria e dos bons costumes.

Em nome de um anticomunismo retardatário (no resto do mundo esse discurso deixou de existir há décadas), assistimos à destruição de uma nação, povo e demais riquezas.

Sem uma cultura que permitisse essa dominação hegemônica da oligarquia sobre as demais classes, isso jamais seria possível.

Seria um acaso que o país das telenovelas – verdadeiras overdoses de ideologia – fosse justamente aquele que elegeu o político mais retrógrado do planeta?

Pois, como bem disse Glenn Greenwald, o presidente ilegítimo é ainda mais nocivo do que Trump, que, por exemplo, não mantém discurso anticomunista ou homofóbico, ao contrário do lacaio local, ainda mais primitivo e, por isso, mais perigoso.

Mas não há noite sem dia.

O ex-chanceler Celso Amorim observou que o Brasil antes trazia soluções ao mundo. Agora, traz problemas.

Mas é tal a violência do projeto colonial imposto ao País que fizeram do perpetrador o mais odiado do planeta, como se viram nas capas dos principais jornais do mundo nos últimos dias, tendo o italiano La Repubblica bem resumido a condenação internacional: “O mundo contra Bolsonaro”.

Como nunca se vira, houve não apenas manifestações em todas as principais capitais do Norte contra a destruição da Amazônia, mas também em capitais africanas, como Nairóbi, algo inédito.

Foram aventados boicotes a produtos brasileiros e 18 importantes marcas internacionais de calçados deixarão de comprar couro nacional.

Os prejuízos só se avolumam.

Mas alguém notou que é tal a rejeição internacional que a própria extrema-direita mundial passou a temê-lo.

Com efeito, é significativo que antigos aliados como a extrema-direita israelense e húngara não tenham manifestado apoio ao projeto ecocida. Marine Le Pen já havia distanciado o segmento francês, dizendo que as palavras de Bolsonaro eram embaraçantes. Depois dos ataques misóginos à primeira-dama francesa, deve ter-se sentido aliviada pela previdência.

Talvez estejamos assistindo ao que os genocidas Hitler e Mussolini não conseguiram: desacreditar e acabar com a extrema-direita, de uma vez e para sempre.

Paradoxalmente, será uma grande contribuição à civilização.

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