Arthur Chioro

Ex-ministro da Saúde

Opinião

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“Apenas socialmente…”

Conforme o consumo de álcool aumenta vertiginosamente no mundo, vai ficando claro que não há dose segura, com risco zero à saúde

“Apenas socialmente…”
“Apenas socialmente…”
(Foto: Getty Images)
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“Apenas socialmente…” Esta foi, provavelmente, a resposta que você deu ao seu médico quando passou em consulta e ouviu dele a pergunta sobre o consumo regular de bebida alcoólica.

Estamos acostumados a condenar o uso de drogas como a maconha, a cocaína, o crack, e até mesmo o cigarro, sabidamente maléficas à saúde. Mas o álcool, embora comprovadamente relacionado a inúmeros problemas de saúde, continua a ser uma droga legal e socialmente aceita – exceção feita a pequenos grupos, quase sempre por convicção religiosa. E seu consumo vem aumentando vertiginosamente em todo o mundo.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e diversos estudos recentes, o consumo de álcool não causa apenas o alcoolismo. Ele está relacionado a mais de 200 tipos de doenças, como problemas no coração, alguns tipos de câncer (cavidade oral, faringe, laringe, esôfago, fígado, mama e colorretal), cirrose hepática e transtornos mentais. Além disso, aumenta significativamente a ocorrência de acidentes e violência física, e impacta nos custos dos sistemas de saúde e previdenciário. No mundo, mais de 3 milhões de mortes por ano, o que equivale a 5,3% de todos os óbitos, decorrem dos efeitos do álcool.

De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE), o consumo semanal de bebidas alcóolicas na população adulta brasileira vem aumentando significativamente: passou de 23,9%, em 2013, para 26%, em 2019, impulsionado principalmente pelas mulheres, cujo consumo saltou de 12,9% para 17%.

A mesma pesquisa traz outro dado extremamente preocupante: 17% dos motoristas brasileiros admitem beber e dirigir, combinação fatal, e reconhecido fator de risco para acidentes no trânsito. Por se tratar de um ato ilegal, pode-se pressupor que o patamar de pessoas que, após beber, tomam o volante de carros, motos e caminhões seja ainda muito maior e explique a tragédia expressa em óbitos e traumas atendidos pela rede de urgência em todo o País.

A recomendação das autoridades sanitárias e dos médicos é de beber com moderação. Mas a partir de quantas latas de cerveja, taças de vinho ou drinques de destilados consumidos deve-se considerar um uso não moderado de álcool?

Não há tipo de bebida, quantidade ingerida ou teor alcoólico que possam ser considerados seguros, pois vários fatores interferem na forma como o álcool age sobre nós. Nem tampouco existe consenso científico sobre qual seria o padrão de consumo sem prejuízos para a saúde física e mental. Estudos indicam que o consumo de pequenas doses de vinho tinto poderia ser benéfico ao sistema cardiovascular, mas mesmo isso é controverso: além de haver outras explicações para essa “vantagem”, o risco de diversas doenças anularia a proteção auferida.

A verdade é que diversos países passaram a recomendar medidas de prevenção de doenças relacionadas ao álcool. Para isso, buscam definir a quantidade de doses que indicaria o consumo moderado de álcool. Para tanto, considera-se que cada drinque equivale a uma lata de cerveja (300 ml), uma taça de vinho (100 ml) ou uma dose de destilado (30 ml).

Nos Estados Unidos, o limite é de ­duas doses diárias para homens e uma para mulheres. No Reino Unido, 14 doses semanais, sem diferença entre os sexos. Na Austrália e na França, até dez doses por semana. Australianos não devem beber mais do que quatro doses juntas, mas, para os franceses, a indicação é de que não se ultrapasse dois drinques e que não se beba em ao menos um dia por semana.

O Canadá mudou recentemente os limites de forma severa e preconiza o consumo de até duas doses de álcool por semana. O risco se eleva para moderado se o consumo é de três a seis doses por semana. O país considera que, a partir da sétima dose, o consumo passa a ser alto. E aumenta a cada dose.

Há consenso de que não existe dose segura para consumo de álcool e que o chamado binge drinking, ingestão em uma única ocasião de cinco ou mais doses para homens e de quatro doses para mulheres, resulta em dano à saúde, embriaguez e aumento do risco de acidentes e de violência interpessoal.

Portanto, não há dose segura, com risco zero à saúde. Quanto menor for a ingestão de álcool, menor o risco.

O que você responderá na próxima vez que for indagado pelo seu médico? •

Publicado na edição n° 1260 de CartaCapital, em 24 de maio de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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