Ana Graça Correia Wittkowski

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Nascida e criada em Salvador da Bahia. Quinta de oito crianças, formada em Letras Vernáculas pela UFBa. Pós-Graduada em Literatura Contemporânea pela UEFS-Bahia. Formada em Etinologia e Lusitanística pela Johannes-Gutenberg-Universität-Mainz. Fundadora da ONG-BrasilNilê. Embaixadora da Década Internacional dos Afrodescentes na Alemanha.

Opinião

Aminata Touré, a primeira secretária de Estado negra da Alemanha

Aminata é uma exceção no país que barra o acesso de descendentes de imigrantes não europeus a uma educação de qualidade.

Posse de Aminata Touré como secretária do Estado Eslésvico-Holsácia, na Alemanha.
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“Que honra, à partir de hoje sou a Ministra para Sociais, Jovens, Família, Senhores, Integração, e igualdade do Estado de Schleswig-Holstein”.

Esta foi a postagem de Aminata Touré na manhã de 30.06 nas redes sociais. Eu quero dizer pra ela que a honra é nossa, que ela nos representa.

Aminata deixa claro que sabe da responsabilidade que está assumindo, que esse Estado é sua casa e que está honrada em poder trabalhar para a população.

Aminata Touré é alemã, nascida em Neumunster, cidade que acolheu sua família de refugiados africanos. Seus pais fugiram do Mali em 1991 e tiveram a sorte de conseguir asilo político aqui na Alemanha. No dia 15 de novembro de 1992, Aminata veio à luz.

Ela conseguiu vencer barreiras sociais, impostas por leis que não estão dispostas a facilitar a vida de imigrantes, pessoas com “migration hintergrund” (origem migratória). Pessoas que durante muito tempo foram discriminadas nas escolas públicas e selecionadas, excluídas para não acessar aos ginásios.

Aqui na Alemanha, as crianças são selecionadas depois da quarta série escolar. Geralmente entram nos ginásios os filhos e netos de acadêmicos. Há uma linhagem. Atualmente, temos só dois tipos de escolas: Realschule e Gimnasyum. No ginásio é que são oferecidas pelo menos três línguas estrangeiras. Para estudar na universidade é necessário passar pelo ginásio, com exceções.

Para os imigrantes, sobrava antigamente a escola que ia só até a 9ª klasse e depois fariam alguma formação para entrar o mais rápido possível no mercado de trabalho. Essa população é a mesma que não teve acesso a cursos de alemão, mas que foram base do mercado no qual eles podiam trabalhar nas fábricas, funcionando e girando a economia alemã, garantindo o milagre econômico da indústria automobilística, entre outras.

Esta mulher jovem estudou ciências políticas no seu bacharelado. O fato de conseguir ultrapassar as barreiras para que  estudasse na universidade já mostra a resiliência dela e sua família. Ela é uma grandissíssima exceção e sabe disso, um exemplo que vale a pena investir em educação e uma das provas mais cabais que o futuro da Alemanha só pode ser garantido quando houver respeito e chance para todos, chance para a imigração, sobretudo a de não europeus.

Sua biografia mostra como é importante enfrentar o sistema, para que não sejamos sempre vítimas dele. Seu engajamento social já na época de escola onde participou do projeto “schule ohne rassismus, schule mit Courage – “Escola sem racismo, escola com coragem” deu-lhe visibilidade e respeito, e ela conquistou seu lugar de fala e foi representante escolar.

Durante a época do estudo na universidade, engajou-se como assistente de Luise Amtsberg, do Partido Verde. Pelo Partido Verde ela foi eleita em 2017 e assumiu a responsabilidade de ocupar-se com os temas que ainda são invisibilizados, como imigração, integração e equidade.

Esse trabalho de Aminata não será fácil, pois ela é a primeira afro-alemã nesta posição em um país onde a xenofobia faz parte do nosso dia a dia. Sabemos que os inimigos não vão simplesmente aceitar mais essa vitória da democracia, porque ela é a prova que eles não querem ter. Além disso, ela é do Partido Verde, que ainda é uma minoria e tem que fazer muitas concessões para conquistar os espaços de poder.

Em agosto de 2019 tive o prazer de conhecer a então vereadora do partido verde Aminata Touré. Inteligente, bonita e carismática é como posso descrevê-la. Sempre que nos encontramos nos nossos foros de resistências, como, por exemplo, no quarto ano da Década Internacional dos Afrodescendentes aqui na Alemanha da qual faço parte, foi momento de respeito mútuo e solidariedade.

Na última oportunidade em que a encontrei, em 2019, antes da pandemia, ela falou da importância desses encontros para seu fortalecimento moral e político, da importância de sentir-se aceita e respeitada por seus iguais e da importância de pessoas como ela estarem conscientes que seus corpos negros incomodam.

Em junho de 2021 ela presenteou o público com seu livro “Wir können mehr sein” (Nós podemos ser mais), no qual ela reflete que todos os seres humanos, imigrantes ou não, são muito mais do que os clichês que nos são atribuídos. Nós todos podemos ser muito mais do que simplesmente refugiados, imigrantes, homens e mulheres. É um apelo para valorizarmos as diversidades humanas.

Nesse livro ela descreve também a aventura de candidatar-se e ganhar a eleição para vice-governadora no Estado de Schleswig Holstein (Eslésvico-Holsácia). Ela, uma mulher que teve que passar os primeiros anos de sua vida em um abrigo de refugiados, sendo parte de uma família de seis pessoas. Simplesmente uma exceção nesse parlamento que é composto de gerações de políticos que quase herdaram os postos dos seus pais.

Eu agradeço a ela e espero que sendo a primeira, ela não seja a última mulher de pele negra no parlamento do Estado, assim também como no da União.

Pra ela só quero dizer parabéns.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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