Paulo Artaxo

Cientistas e pesquisador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da USP.

Opinião

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Alvo duplo

Reduzir as emissões de CO₂ é prioridade, mas também devemos combater os chamados poluentes de vida curta

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Créditos: Pixabay
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As mudanças climáticas estão na ordem do dia não só pela COP30, mas também pelo aumento acelerado dos eventos climáticos extremos em todo o planeta. Sabemos que, para mitigar os impactos, é necessário pôr fim à exploração e ao uso de combustíveis fósseis, além de eliminar o desmatamento das florestas tropicais. Essas fontes emitem 38 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO₂) a cada ano – e ele permanece na atmosfera por séculos, talvez milênios.

O CO₂ não é o único elemento responsável pelo aquecimento global. Há outros poluentes relevantes, como o metano (CH₄), o ozônio troposférico (O₃) e o chamado black carbon (BC). Esses três componentes apresentam uma vantagem estratégica importante em relação ao dióxido de carbono: possuem uma vida atmosférica muito mais curta. Isto significa que a redução de suas emissões pode gerar efeitos positivos mais rápidos sobre o sistema climático do que a redução das emissões de CO₂. Além disso, esses componentes contribuem significativamente para a poluição do ar nas áreas urbanas, responsável por milhares de mortes todos os anos. Poluição do ar e mudanças climáticas são problemas profundamente interconectados.

O metano tem uma meia-vida atmosférica de apenas 11 anos – ou seja, sua redução tem impacto quase imediato sobre o clima. Da mesma forma, o black carbon permanece na atmosfera por apenas algumas semanas, enquanto o ozônio tem vida útil que varia de horas a semanas. Por isso, a mitigação desses poluentes climáticos de vida curta representa uma solução rápida e eficiente. É importante ressaltar que a redução das emissões de CO₂ continua sendo prioridade, mas pode (e deve) ser complementada pela diminuição dos chamados poluentes de vida curta.

As principais fontes de emissão de metano são a agropecuária, a produção e o consumo de combustíveis fósseis, além dos aterros sanitários. Já as principais fontes de black carbon são o setor de transportes (especialmente veículos a diesel), a queima de biomassa e as emissões industriais. O ozônio é formado a partir de processos de combustão, sobretudo por veículos automotores e pela queima de biomassa. Os impactos dessas emissões são bastante significativos. Embora a maioria das discussões internacionais se concentre nas emissões de CO₂, é fundamental dar atenção também ao metano, responsável por um aquecimento estimado de 0,97 °C, e ao black ­carbon, com capacidade de aquecer até 0,6 °C.

O metano também agrava a poluição do ar urbano, sendo cerca de 21 vezes mais potente que o CO₂ em termos de efeito estufa. O ozônio tem impactos sérios na saúde humana, provocando doenças respiratórias e perdas significativas na produtividade agrícola. O black carbon é um dos principais responsáveis pelas mortes causadas pela poluição do ar urbano. Sua deposição sobre a neve acelera o derretimento de geleiras, contribuindo para o aumento do nível do mar. Portanto, trata-se de uma questão com impactos múltiplos sobre a saúde, a economia e o clima.

Para reduzir essas emissões, há ações urgentes que podem ser adotadas, como melhorar o transporte urbano e reduzir a queima de biomassa associada ao desmatamento. As emissões de black carbon provenientes de ônibus a diesel representam um grave problema de saúde pública. A transição para transportes elétricos ou de baixas emissões é uma medida crucial e pode evitar milhões de mortes causadas pela poluição do ar em centros urbanos. Essa ação será ainda mais relevante com o crescimento acelerado da população urbana ao longo deste século.

Os incêndios florestais constituem uma fonte significativa tanto de gases de efeito estufa quanto de poluentes atmosféricos. A fumaça das queimadas pode viajar milhares de quilômetros, afetando a saúde humana e o balanço de radiação atmosférica. O Brasil assumiu o compromisso de eliminar o desmatamento da Amazônia até 2035, e esperamos cumprir logo a meta. É fundamental lembrar que precisamos acabar com a exploração e uso de combustíveis fósseis o quanto antes, se quisermos garantir um clima habitável nas próximas décadas e séculos.

A qualidade do ar ainda não está, porém, sistematicamente incorporada nas negociações climáticas internacionais, como a COP30. Seus impactos econômicos e sobre a saúde humana continuam sub-representados nos compromissos climáticos formais e nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) da maioria dos países, inclusive do Brasil. Integrar políticas de redução de gases de efeito estufa e de poluentes de vida curta pode acelerar a transição para economias de baixo carbono, com benefícios expressivos para a saúde pública, a economia e o clima do planeta. •

Publicado na edição n° 1378 de CartaCapital, em 10 de setembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Alvo duplo’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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