

Opinião
Alvo duplo
Reduzir as emissões de CO₂ é prioridade, mas também devemos combater os chamados poluentes de vida curta


As mudanças climáticas estão na ordem do dia não só pela COP30, mas também pelo aumento acelerado dos eventos climáticos extremos em todo o planeta. Sabemos que, para mitigar os impactos, é necessário pôr fim à exploração e ao uso de combustíveis fósseis, além de eliminar o desmatamento das florestas tropicais. Essas fontes emitem 38 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO₂) a cada ano – e ele permanece na atmosfera por séculos, talvez milênios.
O CO₂ não é o único elemento responsável pelo aquecimento global. Há outros poluentes relevantes, como o metano (CH₄), o ozônio troposférico (O₃) e o chamado black carbon (BC). Esses três componentes apresentam uma vantagem estratégica importante em relação ao dióxido de carbono: possuem uma vida atmosférica muito mais curta. Isto significa que a redução de suas emissões pode gerar efeitos positivos mais rápidos sobre o sistema climático do que a redução das emissões de CO₂. Além disso, esses componentes contribuem significativamente para a poluição do ar nas áreas urbanas, responsável por milhares de mortes todos os anos. Poluição do ar e mudanças climáticas são problemas profundamente interconectados.
O metano tem uma meia-vida atmosférica de apenas 11 anos – ou seja, sua redução tem impacto quase imediato sobre o clima. Da mesma forma, o black carbon permanece na atmosfera por apenas algumas semanas, enquanto o ozônio tem vida útil que varia de horas a semanas. Por isso, a mitigação desses poluentes climáticos de vida curta representa uma solução rápida e eficiente. É importante ressaltar que a redução das emissões de CO₂ continua sendo prioridade, mas pode (e deve) ser complementada pela diminuição dos chamados poluentes de vida curta.
As principais fontes de emissão de metano são a agropecuária, a produção e o consumo de combustíveis fósseis, além dos aterros sanitários. Já as principais fontes de black carbon são o setor de transportes (especialmente veículos a diesel), a queima de biomassa e as emissões industriais. O ozônio é formado a partir de processos de combustão, sobretudo por veículos automotores e pela queima de biomassa. Os impactos dessas emissões são bastante significativos. Embora a maioria das discussões internacionais se concentre nas emissões de CO₂, é fundamental dar atenção também ao metano, responsável por um aquecimento estimado de 0,97 °C, e ao black carbon, com capacidade de aquecer até 0,6 °C.
O metano também agrava a poluição do ar urbano, sendo cerca de 21 vezes mais potente que o CO₂ em termos de efeito estufa. O ozônio tem impactos sérios na saúde humana, provocando doenças respiratórias e perdas significativas na produtividade agrícola. O black carbon é um dos principais responsáveis pelas mortes causadas pela poluição do ar urbano. Sua deposição sobre a neve acelera o derretimento de geleiras, contribuindo para o aumento do nível do mar. Portanto, trata-se de uma questão com impactos múltiplos sobre a saúde, a economia e o clima.
Para reduzir essas emissões, há ações urgentes que podem ser adotadas, como melhorar o transporte urbano e reduzir a queima de biomassa associada ao desmatamento. As emissões de black carbon provenientes de ônibus a diesel representam um grave problema de saúde pública. A transição para transportes elétricos ou de baixas emissões é uma medida crucial e pode evitar milhões de mortes causadas pela poluição do ar em centros urbanos. Essa ação será ainda mais relevante com o crescimento acelerado da população urbana ao longo deste século.
Os incêndios florestais constituem uma fonte significativa tanto de gases de efeito estufa quanto de poluentes atmosféricos. A fumaça das queimadas pode viajar milhares de quilômetros, afetando a saúde humana e o balanço de radiação atmosférica. O Brasil assumiu o compromisso de eliminar o desmatamento da Amazônia até 2035, e esperamos cumprir logo a meta. É fundamental lembrar que precisamos acabar com a exploração e uso de combustíveis fósseis o quanto antes, se quisermos garantir um clima habitável nas próximas décadas e séculos.
A qualidade do ar ainda não está, porém, sistematicamente incorporada nas negociações climáticas internacionais, como a COP30. Seus impactos econômicos e sobre a saúde humana continuam sub-representados nos compromissos climáticos formais e nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) da maioria dos países, inclusive do Brasil. Integrar políticas de redução de gases de efeito estufa e de poluentes de vida curta pode acelerar a transição para economias de baixo carbono, com benefícios expressivos para a saúde pública, a economia e o clima do planeta. •
Publicado na edição n° 1378 de CartaCapital, em 10 de setembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Alvo duplo’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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