Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Alberto Villas: As seis canções do cárcere de um ‘Narciso em férias’

Histórias e lembranças por trás das canções compostas por Caetano em 1969

Caetano tocando no documentário "Narciso em Férias" | Créditos: Divulgação
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Caetano Veloso cita seis músicas no seu depoimento a Renato Terra e Ricardo Calil, sobre sua prisão em 1969, duas semanas depois do Ato Institucional número 5. No documentário Narciso em Férias, que foi aplaudido em Veneza no dia 7 de setembro, ele canta três canções e, com dor no coração e uma certa angústia, silencia sobre as outras três.

Canta Irene, a única que fez atrás das grades, quando apertou a saudade da irmã, com então 14 anos de idade. Na gravação original, que abre o disco de capa branca e que leva apenas sua assinatura, Caetano erra no início e deixa o erro no vinil: esqueci. Eu vi que você não estava com cara de quem ia cantar. Eu estava esquecido, quando me lembrei já foi em cima da hora. Ah, meu Deus… ah! Na letra, uma única vontade, a de ir embora daquele lugar: eu quero ir minha gente, eu não sou daqui, eu não tenho nada, quero ver Irene rir, quero ver Irene dar sua risada.

Canta Terra, a canção que fez, alguns anos depois, e que sua memória o remeteu ao quartel do Exército. Compôs a lembrança de Dedé que levou para ele ver a revista Manchete com as fotos da Terra vista do espaço. Na verdade, um hino ao Planeta Terra: quando eu estava preso na cela de uma cadeia, foi que vi pela primeira vez as tais fotografias, em que apareceres inteira, porém não estava nua e sim coberta de nuvens. É em Terra que ele reconstrói os versos de Paraíba, de Luiz Gonzaga, aquela Paraíba masculino mulher macho sim senhor! Mando um abraço pra ti pequenina como se eu fosse o saudoso poeta e fosses a Paraíba.

Canta Hey Jude, a canção que ouvia na prisão e que lhe dava a sensação de que dias melhores viriam: Ei, Jude, não fique mal, pegue uma canção triste e torne-a melhor. Lembre-se de deixá-la entrar em seu coração, então você pode começar a melhorar as coisas e sempre que você sentir dor. Ei, Jude, vá com calma, não carregue o mundo nos seus ombros

Caetano não tocou Súplica, sucesso no vozeirão de Orlando Silva, a canção que um velho comunista, companheiro de prisão pedia que ele cantasse: Aço frio de um punhal/Foi o seu adeus para mim/Não crendo na verdade, implorei, pedi/As súplicas morreram num eco em vão/Sofrendo nas paredes frias de um apartamento.

Não cantou também Onde o céu azul é mais azul, uma aquarela brasileira na voz de Francisco Alves, a canção que Caetano tem medo, medo de chorar ao ouvi-la: Eu já encontrei um dia alguém/Que me perguntou assim, iá, iá/O seu Brasil o que é que tem/O seu Brasil onde é que está?/Onde o céu azul é mais azul/E uma cruz de estrelas mostra o sul/Aí, se encontra o meu país/O meu Brasil grande, e tão feliz.

E Caetano não cantou Assum Preto, de Luiz Gonzaga, recuperada pela fatal Gal Costa, outra música que lhe causava uma tristeza profunda;

Tudo em vorta é só beleza/Sol de abril e a mata em frô/Mas Assum Preto, cego dos óio/Num vendo a luz, aí, canta de dor/Mas Assum Preto, cego dos óio/Num vendo a luz, aí, canta de dor/Tarvez por ignorança/Ou mardade das pió/Furaro os óio do Assum Preto/Pra ele assim, aí, cantá mió.

Sim, as histórias voltam junto com as canções.

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