Opinião

Ah, é? O Brasil depende da importação de fertilizantes?

Ficamos agropecuários ricos, mas a nossa ganância conseguiu jogar fora o que ganhamos quando da campanha ‘A Petrobras é Nossa’

Foto: Embrapa
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Nos primeiros anos deste século, ao mesmo tempo em que o Brasil era chamado futuro “celeiro mundial” de alimentos, considerados espaço territorial agricultável, produtividade de suas lavouras, taxa de crescimento da população mundial e aumento de renda pela globalização, o governo, através da Petrobras Fertilizantes, indicou nossa empresa de consultoria, a BIOCAMPO Desenvolvimento Agrícola, para um estudo de mercado e logística que definisse o consumo de fertilizantes adequado para atender tal expansão e a melhor localização para instalar a planta de nitrogênio (N).

Como dentro da tríade N (Nitrogênio), P (Fósforo), K (Potássio) – NPK -, os macronutrientes primários essenciais à nutrição vegetal no Brasil, na época, para o fósforo havia disponibilidade suficiente de rocha fosfática e plantas nas regiões Sul, Sudeste, Centro (Cubatão-SP e Uberaba-MG), Centro-Oeste (Catalão-GO) e Nordeste. Parecíamos satisfeitos. Havia ainda Lagamar, Araxá e outras regiões de Minas Gerais para ampliação. Tanto que há uma década vinham sendo privatizadas pelos poderes incumbentes anteriores ao instalado a partir de 2003, de perfil estatizante.

Para o potássio não havia mesmo jeito. Ficaríamos dependentes da importação, pois a capacidade das minas da Vale, em Sergipe (Taquari-Vassouras), era limitada e de custosa expansão para um nutriente de alta volúpia pelos solos brasileiros, predominantemente, plantados com soja. A delicadeza ambiental do novo governo (PT, Lula e Marina Silva) evitava a exploração na Amazônia. Projeto, inclusive, de viabilidade econômica duvidosa, como todas aquelas que não consideram o valor de manter a floresta em pé e a biodiversidade do bioma.

Sobrava o nitrogênio (amônia e ureia), nutriente importante não apenas isolado em várias culturas (café, por exemplo), mas também na formação de fertilizantes intermediários quando integrado ao fósforo.

Disponível em complexos industriais de Araucária (PR), Cubatão (SP) e Camaçari (BA), as FAFEN (Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados), já se mostrava insuficiente. A demanda era complementada por importações e justificava a necessidade de aumento da oferta, até mesmo porque algumas unidades (ex-ULTRAFÉRTIL) apresentavam problemas operacionais devido a suas idades e altos custos de produção, o que as impedia de concorrer com o produto importado (ureia, principalmente).

A formação da cadeia de distribuição e comercialização dos fertilizantes até as lavouras começava, assim, na exploração de minérios e nos grandes complexos químicos (hidrogênio) que, junto às importações, iriam ofertar as misturas NPK, em alto número de unidades distribuídas pelas regiões agrícolas do País e suas revendas (retailers).

Estávamos entre 2002/3 e era evidente a necessidade nacional de aumentar a produção de nitrogenados. Para determinar demanda futura (2025/30) e melhor logística foi contratada a BIOCAMPO, em concorrência altamente disputada. A levar em conta, nos anos seguintes, a pressão que viria sobre o Partido dos Trabalhadores (PT) sobre corrupção na estatal serviu a um trabalho sujo e destruidor da empresa.

Hoje em dia, sabe-se a influência do Departamento de Estado dos EUA nesse esgoto econômico acumpliciado à canalha fascista brasileira.

Meu testemunho é que a nossa consultoria somente se f….u (errou) mais do que ganhou, tantas as vezes que tivemos de baixar o valor da proposta para sermos escolhidos. Galhofas de um cronista:

  • Passagens de avião e táxi até o Triângulo das Bermudas (RJ) por nossa conta; 2) Nas primeiras visitas, para discutir variáveis com os chefões da estatal, eu era gordo (antes da bariátrica) e só tinha um terninho apertado; 3) Não usava o táxi do Santos Dumont até a sede da Petrobras. Andava e suava em bicas; 4) Convite para almoço? Nunca. Contentava-me com a barrinha de cereal e a Coca oferecidas no voo; 5) Quando em momentos cruciais, de apresentação digital ou, eminentemente, de operação fabril, levava meus sócios, o saudoso engenheiro Carlo Barbieri e a expert em tecnologia da informação Viviane Brasizza (até hoje comigo na C&F Insumos Agrícolas, desenvolvendo sustentabilidade);
  • Lembro-me de nós trabalhando dias e horas para determinar as distâncias entre os polos de consumo, em grandes mapas geográficos, medidos à régua e, então, calculados seguindo as escalas dos mapas;
  • Até mesmo o consumo de ureia como redutor da poluição, na época já usada na Europa e pouco pensado aqui, foi considerado (ARLA 32);
  • Bestão, quando chegava para enfrentar esses perrengues, lembro que ficava feliz. Afinal, como Tom Jobim, em Samba do Avião, estava pousando, paulistano apaixonado pelo Rio de Janeiro.

Pelos lados institucional e político, aqueles anos coincidiam com os do primeiro mandato de Lula na Presidência.

Mais tarde, quando a imprensa corporativa entrou de cabeça para destruir o PT, a eleição de Lula, e várias transnacionais brasileiras, comandada por crápulas ligados à Operação Lava Jato, encabeçada por um juiz-marreco paranaense e asseclas, destruiu-se o melhor e mais avançado no industrialismo brasileiro. F…mo-nos.

Recentemente (2024), folhas e telas cotidianas me sussurram que o CONFERT, Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas,aprovou um Plano Nacional de Fertilizantes com metas para superar a dependência externa. Prevê reativação de fábricas, incentivos a novas plantas industriais e investimento na produção de nutrientes sustentáveis, entre outras ações.

Que bom, Kibon (voltem Chica e Eski), Alvíssaras! Na época da ditadura civil-militar, dois ou três desses foram feitos. Deram certo. Participei de alguns, embora sempre me posicionando contra o tema de esquecerem a sustentabilidade. Mas, no todo e, por um tempo, deram certo.

Ficamos agropecuários ricos, mas a nossa ganância capitalista e financeira procurou e conseguiu jogar fora o que ganhamos de mãos lavadas, quando da campanha “A Petrobras é Nossa”, com Getúlio Vargas.

Hoje em dia, nossa (?). De quem? Não sei. Ou sei. Posso dizer em depoimentos escabrosos. Se me pagarem, eu conto. Cansei de 20 anos de voluntariado. Sou pobre. Para isso foram criadas as plataformas digitais? Para reproduzir a mesma distribuição de renda do País?

Tô fora!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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