Laércio Meirelles

Agrônomo, escritor e integrante do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)

Opinião

Agroecologia nos municípios: quando o necessário se faz urgente

Você, que lê esse artigo, que consome alimentos, que vai ao mercado ou à feira a cada semana, precisa também estar atento às suas escolhas

Agroecologia
Cisterna em São João da Serra, no Piauí. Foto: Arquivo ASA Cisterna em São João da Serra, no Piauí. Foto: Arquivo ASA
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E se o município onde você mora se preocupasse em servir, nas escolas públicas, alimentos de qualidade, produzidos de forma saudável, por famílias agricultoras da própria região? E se o município onde você reside, com sua família, estimulasse que terrenos desocupados fossem usados para produção de hortaliças frescas, de forma comunitária? Ou se ocorresse, toda semana, uma feira com produtos regionais, produzidos de forma orgânica? E se ainda tivesse um programa de coleta seletiva de lixo, onde o resíduo separado é comprado com uma moeda social, aceita pelos próprios feirantes que vendem na feira, permitindo aos moradores e moradoras trocar o mal denominado lixo por comida? Seria muito legal, não? Seria, ou é muito legal? Sim, porque já existem, espalhado por todo país, municípios que adotam essas práticas. E muitas outras, de igual teor! 

Conhecedora dessas realidades, em função da sua própria dinâmica constitutiva e de funcionamento, oriunda dos locais, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) está conduzindo a iniciativa Agroecologia nos Municípios. Não poderia ser mais oportuna: conhecer o que os municípios vêm implementando em relação a políticas públicas de apoio à agroecologia e, além disso, promover um intercâmbio entre poder público e sociedade civil de diferentes municípios para que essas políticas se multipliquem. E, ainda, tão importante quanto, escolher um município por unidade da federação onde esforços estão sendo concentrados para estimular representantes do poder legislativo e executivo a promover planos de apoio ao desenvolvimento da agroecologia, em suas múltiplas dimensões.

A agroecologia busca, a partir do desenho de agroecossistemas – conceito que pode ser traduzido como cultivos ou lavouras – sustentáveis, redesenhar o sistema agroalimentar global. Esse redesenho abarca muitas tarefas, mas é imprescindível que ocorra em bases que privilegiem o respeito ao meio ambiente e às pessoas. Pretensioso, não é? É sim, tão pretensioso quanto necessário. Algo está errado se, considerando os dados da FAO (órgão das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), o planeta possui 800 milhões de seus habitantes que passam fome diariamente e produz 120% das calorias necessárias para alimentar toda a população, além de também produzir mais proteína e gordura do que o necessário para alimentar toda humanidade. Um quadro dramático como esse – difícil achar outro adjetivo – precisa de solução urgente, por já bastante atrasada. 

A agroecologia busca, a partir de cultivos ou lavouras sustentáveis, redesenhar o sistema agroalimentar global

Se, do ponto de vista da justiça social, a produção e distribuição de alimentos deixa tanto a desejar, não é diferente quando pensamos nas consequências dessas atividades para o meio ambiente O problema que sintetiza a crise ambiental pela qual passamos tem sido denominado de emergência climática. Diz respeito à necessidade de diminuirmos a emissão de gases que provocam o efeito estufa, sob pena de vivenciarmos, em espaço de tempo relativamente curto, catástrofes climáticas muito intensas. Reuniões internacionais vêm sendo feitas e acordos propostos nesse sentido. O Brasil, signatário desses acordos, publica anualmente seu inventário de carbono. Por esses dados, podemos visualizar que 48% das emissões brasileiras de equivalente em carbono são provenientes da “mudança do uso da terra”, de certa forma um eufemismo para desmatamento. Outros 24% provêm diretamente da atividade agrícola, na forma de uso intensivo de tratores, adubos e agrotóxicos. Podemos então dizer que três quartas partes da contribuição brasileira para a crise climática é, de certa forma, resultado de atividades associadas ao setor agropecuário. É ou não é urgente e necessário buscarmos uma solução?

Sim, essas informações, sinteticamente descritas, apontam de forma a não deixar dúvidas que as palavras da saudosa professora Ana Primavesi, ditas há décadas, são atuais: a agroecologia não é uma alternativa, é um imperativo.

E esta é a percepção da ANA, quando promove a adoção de políticas públicas municipais de apoio à agroecologia: urgência e necessidade. Parabéns a essa articulação que mais uma vez demonstra estar atenta aos temas que o momento nos exige, não apenas denunciando o que precisa ser denunciado, mas apresentando propostas e caminhos a serem trilhados, para que uma produção agrícola que alimente a todos, de forma saudável, e preserve o planeta seja uma realidade. 

A construção das saídas para a situação atual exige pressa e compromisso. E não apenas de um setor específico da sociedade, mas do seu conjunto. Não devemos esquecer que as propostas agroecológicas comprometem ganhos vultuosos, de inúmeros grupos privados. Para desarmá-los, é necessário que a sociedade como um todo faça valer seus interesses e desejos.

Você, que lê esse artigo, que consome alimentos, que vai ao mercado ou à feira a cada semana, precisa também estar atento às suas escolhas. Mas, principalmente, atentar para a que as políticas públicas sejam concebidas e implementadas de forma que estejam conectadas à produção saudável e justa de alimentos e fibras. Esforços individuais são válidos, mas apenas esforços coletivos podem nos levar a novos caminhos. É função do Estado garantir que os interesses de todos sobreponham-se aos individuais. 

Está mais claro agora porque a iniciativa Agroecologia nos municípios é urgente e necessária? Que tal você também participar, cobrando dos agentes públicos da sua cidade ações nessa direção? Afinal, nos omitirmos em situação tão aguda não pode ser uma opção.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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