João Feres Jr.

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Professor de Ciência Política do IESP-UERJ, o antigo Iuperj. Coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) e do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (LEMEP), que abriga o site Manchetômetro (www.manchetometro.com.br) e o boletim semanal Congresso em Notas (congressoemnotas.tumblr.com).

Opinião

Adeus, PMDB!

Com o fim do partido, termina a Nova República e seu projeto democrático

O governo Temer joga contra os interesses do PMDB
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Em meio ao assombro geral e à estupefação dos analistas perante o quadro prolongado de crise política no Brasil, algumas coisas vão decantando, ficando mais claras. A mais importante delas, contudo, ainda que se desenrole à frente de nossos narizes, tem sido praticamente ignorada pela crítica de plantão: o fim do PMDB.

Um partido com esse nome continua a existir, mas o que está aí é bem diferente da agremiação política que constituiu o eixo histórico da Nova República. O MDB foi o centro ao redor do qual foi negociada a transição democrática no País. Rebatizado pela singela adição de um P na reforma partidária de 1980, a legenda foi fundamental na estabilização do regime após a morte extemporânea de Tancredo Neves, na condução exitosa da constituinte liderada por Ulysses Guimarães, na estabilização da sucessão de Fernando Collor com Itamar Franco e, depois, quando sua incapacidade de gerar lideranças presidenciáveis se tornara patente, no apoio aos governos de Fernando Henrique, no segundo governo de Lula e nos de Dilma Rousseff, até o ruinoso processo do impeachment.

Sim, algo aconteceu depois da segunda eleição de Dilma, que levou o partido a mudar de natureza, se degenerar. Tratarei das causas dessa guinada em artigo futuro. Neste me preocupo em estabelecer o fato. O projeto do impeachment, do golpe, em suma, a luta pelo cancelamento do resultado das eleições, era do PSDB desde o começo. Assim, o impeachment só ocorreu porque o principal parceiro do PT na coalizão mudou de lado e se juntou à malta daqueles que queriam derrubar o governo.

Novamente o PMDB teve um papel fundamental na condução dos destinos da Nova República, mas dessa vez seria a derradeira, para encerrar sua trajetória política e, com isso, a própria Nova República. Aí reside a grande ironia. Michel Temer era presidente do partido e tornou-se, nesse processo, presidente da República. Mas o governo que ele produziu é a cara do PSDB. Não me refiro aqui somente aos ministros tucanos e filo-tucanos de seu gabinete, mas às políticas centrais do governo, todas de inspiração fiscalista: PEC 55 (agora Emenda Constitucional 95), Reforma da Previdência, Reforma Trabalhista, gestão do BNDES, da Petrobrás etc.

Ora, o PMDB era, desde a época em que não tinha P no nome, um partido ônibus, daqueles que aceitam integrantes de variadas tendências políticas e ideológicas. Combinou-se a isso a dispersão federal do partido e sua penetração no nível local da política. Nunca elegeu presidente, mas sempre teve sucesso na eleição de senadores, deputados, governadores e particularmente de prefeitos e vereadores. Tais características produziam uma adesão geral do partido ao fisiologismo ou, em outras palavras, à forte dependência da máquina pública. E aí reside o paradoxo central e a principal evidência da doença que acomete o PMDB: o fervor fiscalista de Temer solapa os interesses fundamentais de seu próprio partido.

Para os brasileiros em geral, aqueles que não são do PMDB, essa mudança é trágica, pois o partido que garantia a sobrevivência de um Estado atuante é agora aquele que se volta para destruir esse Estado. Por algum tempo animado pelos ventos do processo de democratização, o fisiologismo peemedebista esteve frequentemente aliado a programas governamentais progressistas. Quando esses ventos começaram a arrefecer, a aliança com o PT permitiu a continuidade do reformismo progressista das instituições de governo. Em suma, o fisiologismo peemedebista sempre garantiu a estabilidade da democracia brasileira em um caminho virtuoso de aprimoramento.

Nada disso mais é verdade. A legenda hoje é uma contradição ambulante. Destrói as bases do Estado do qual depende profundamente e abre mão de qualquer traço progressista para se aliar ou ao neoliberalismo mais tacanho ou ao conservadorismo de valores mais abjeto, vide o próprio Temer em seu discurso do Dia Internacional da Mulher.

Há algum tempo atrás um comentarista político cunhou o termo peemedebismo para designar uma enfermidade do sistema político brasileiro que operava a mitigação da participação e o falseamento da representação. Nada mais equivocado: o verdadeiro peemedebismo, por mais repulsiva que possam parecer as práticas do fisiologismo aos olhos dos moralistas, garantia a virtude geral do sistema.

Hoje temos um partido doente, inoculado por um vírus tucano que põe em risco sua própria sobrevivência eleitoral. Quem perde com tudo isso é o Brasil: com o fim do PMDB, termina a Nova República e o seu projeto democrático.

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