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Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis

Opinião

Acordo para venda das refinarias foi lesivo aos brasileiros e deveria ser revisto integralmente

Reduzir os investimentos e priorizar a distribuição de dividendos aos acionistas foi uma ruptura do papel histórico da função social da empresa

A Refinaria de petróleo Landulpho Alves. Foto: Divulgação
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Por André Tokarski*

A divulgação na primeira semana de 2024 da auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) que apontou fragilidades no processo de venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, é mais um capítulo do desastroso acordo firmado em 2019 entre o Cade e a Petrobras, no qual a empresa se comprometeu a vender oito refinarias, cerca de 50% de sua capacidade de refino de combustíveis no País.

O relatório da CGU constatou que a RLAM foi vendida ao fundo de investimento da família real dos Emirados Árabes Unidos abaixo do preço de mercado. Um estudo técnico feito pelo Ineep em 2021 concluiu que o preço negociado pela Petrobras com o fundo Mubadala Capital foi aproximadamente 50% inferior ao valor da refinaria.

O principal objetivo do Termo de Compromisso de Cessação de Prática (TCC) seria “propiciar condições concorrenciais, incentivando a entrada de novos agentes econômicos no mercado de refino”. Entretanto, além do prejuízo patrimonial causado à Petrobras, a venda de parte das refinarias não resultou em aumento de competitividade no setor, tampouco impactou na redução de custo dos combustíveis aos consumidores finais.

Um relatório elaborado no ano de 2020 pelo Departamento de Engenharia Industrial da PUC-Rio avaliou a abrangência da atuação das refinarias previstas no plano de desinvestimento e eventuais benefícios do ponto de vista de competitividade e garantia do abastecimento. A conclusão sinalizava para uma alta possibilidade de formação de monopólios privados regionais, sem qualquer garantia de aumento da competitividade e de redução de preços.

O plano de privatizar as refinarias era parte do reposicionamento estratégico assumido pela direção da Petrobras entre 2016 e 2022. A direção da empresa à época implementou uma drástica redução de investimentos nas atividades de refino, distribuição, gás, geração termelétrica e fertilizantes, para priorizar exploração e produção de petróleo no pré-sal. O objetivo dessa política era a maximização de margens na cadeia de valor do petróleo, uma visão de curto prazo e cujos principais beneficiários seriam os acionistas minoritários e os próprios dirigentes da empresa, que receberam volumosas quantias de bonificação, em detrimento do interesse público e da segurança energética.

Reduzir os investimentos e priorizar a distribuição de dividendos aos acionistas foi uma ruptura do papel histórico da função social da Petrobras, o de atuar como propulsora do desenvolvimento econômico e garantidora do abastecimento nacional de combustíveis.

A crise política e econômica que o País atravessava no fim do ciclo dos governos Lula e Dilma (2003-2016) foi a “tempestade perfeita” para que as ideias neoliberais reassumissem a primazia no debate político e econômico. A hegemonia ideológica do neoliberalismo capturou o debate e formou-se uma ampla maioria na burocracia do Estado para colocar a Petrobras a serviço do rentismo.

O relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a venda da RLAM é ilustrativo da subserviência do órgão aos interesses de investidores privados e da falta de conhecimento sobre as especificidades e o caráter estratégico da atividade econômica da indústria do petróleo. Um dos fundamentos adotados pelo relator para justificar o desinvestimento em refino da Petrobras é a “busca de melhor alocação de capital, priorizando a participação em segmentos com maior vantagem competitiva e maior rentabilidade”. Sustenta ainda que a redução da participação da Petrobras no setor de refino promoveria a competitividade de preços e vê como positivo a redução do papel da Petrobras na formação de preços no mercado nacional de combustíveis.

Sem qualquer embasamento fático, o relatório do TCU aponta que a presença da Petrobras no segmento de refino é inibidora de investimentos privados e que a privatização das refinarias seria necessária para a atração de investimentos privados e para a melhoria da capacidade de refino.

Mais uma vez fica claro o desconhecimento sobre a história da Petrobras e o desenvolvimento do parque de refino nacional. A Petrobras conquistou sua posição no mercado de refino em conformidade com suas obrigações legais, tanto durante o período em que deteve exclusividade no monopólio da atividade econômica do petróleo, de 1954 a 1997, quanto na fase subsequente, conforme estabelecido no artigo 61 da Lei nº 9.478/1997. Mais de 25 anos após o fim do monopólio da Petrobras nas atividades econômicas relacionadas ao petróleo, observa-se uma ausência significativa de investimentos privados direcionados ao setor de refino. Uma parte importante do “fracasso” do TCC na venda das oito refinarias se deveu à falta de interessados em adquiri-las.

Por fim, o relatório do TCU sustenta que haveria uma queda no consumo de derivados do petróleo em função da “tendência de aceleração da matriz energética global, com a preterição dos combustíveis fósseis”, e que a Petrobras deve aproveitar o custo de oportunidade do valor a ser recebido do fundo Mubadala para que a empresa busque a “máxima eficiência na alocação do capital”.

No mundo dos fatos, a despeito da urgência da questão climática, o controle sobre a produção e o preço do petróleo seguem no centro dos principais conflitos geopolíticos e o abastecimento nacional de combustíveis como absolutamente decisivo para a recuperação econômica do País.

*Professor do curso de mestrado em Direito Constitucional Econômico (MADIR) da UNIALFA, coordenador do curso de Direito da UNIALFA e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep)

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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