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Acordo Mercosul-União Europeia: por onde anda?

Parceria em fase de validação enfrenta obstáculos e a questão ambiental ocupa o centro do debate

O presidente da República, Jair Bolsonaro, em coletiva de imprensa sobre o acordo Comercial União Europeia/Mercosul, no Centro de Convenções INTEX Osaka. Foto: Alan Santos/PR
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Desde o anúncio da conclusão das negociações do pilar comercial do Acordo de Associação Mercosul-União Europeia, em junho de 2019, profundos debates vêm sendo realizados, com ativa participação de grupos da sociedade civil, os quais estiveram excluídos da fase de negociação que se estendeu por 20 anos. Entre as pautas levantadas, as questões socioambiental e climática ocupam o foco da atenção. Outro ponto refere-se aos potenciais impactos do acordo para o desenvolvimento socioeconômico nos países do Mercosul. Além disso, passados mais de dois anos, as resistências de concessões na área ambiental por parte do governo de Jair Bolsonaro, o aprofundamento da degradação ambiental no Brasil e a crise interna no Mercosul dificultam a viabilidade do avanço do Acordo a curto prazo.

 

O texto ainda está em fase de validação, etapa que antecede à assinatura e o início formal do processo de ratificação. A despeito de inicialmente ter sido previsto como um amplo acordo de associação, que incluiria aspectos de comércio, diálogo político e cooperação, somente o eixo comercial foi acordado. Segundo o texto divulgado, o documento deverá abarcar o comércio de bens e serviços, regras de origem, defesas e salvaguardas, subsídios, propriedade intelectual, solução de controvérsias e compras governamentais, entre outros temas.

O Acordo de Associação Mercosul-União Europeia tem levantado questionamentos acerca de seus impactos para o desenvolvimento do Brasil, sobretudo no que diz respeito à subordinação do país frente aos interesses europeus. Cerca de 80% das exportações da Europa para o bloco mercosulino correspondem a bens industriais. A abertura comercial a tais produtos reforçaria o processo de desindustrialização em curso no país. Por outro lado, o ingresso facilitado no mercado europeu, uma potência industrial, de bens industriais menos competitivos produzidos no Mercosul, não trará ganhos substanciais ao Brasil. Além disso, as vantagens obtidas para o agronegócio são modestas, tendo em vista as ambições iniciais dos países do Conesul, pois o Pacto Agrícola Comum europeu não sofrerá alterações, enquanto que as exportações do Mercosul deverão respeitar quotas para seu ingresso no mercado europeu. Por fim, apesar de ser tratado como um arranjo de “livre comércio”, o acordo é repleto de restrições à abertura do mercado agrícola europeu. Em contrapartida, a abertura mercosulina aos bens industriais produzidos na Europa apenas acentuaria o caráter primário-exportador da economia brasileira.

No que diz respeito às compras governamentais, o acordo abrirá o mercado brasileiro para empresas europeias, que competirão em condições de assimetria com suas congêneres nacionais, até então protegidas. Essa parte do acordo está em consonância com o manifesto “Por uma Política Industrial para o século 21”, em que França e Alemanha defendem, por meio de acordos de reciprocidade, abrir novos mercados para compras governamentais. A abertura do mercado de compras governamentais potencialmente impacta negativamente na promoção do desenvolvimento dos Estados-membros do Mercosul, pois as compras feitas pelo Estado influem diretamente em questões como a geração de empregos. Já quanto à propriedade intelectual, em razão de pressões da sociedade civil, as partes se ativeram a manter os mesmos compromissos do acordo TRIPS, enquanto que, em relação às indicações geográficas, o bloco mercosulino cedeu mais e reconheceu 355 indicações europeias.

Mesmo considerando as evidentes desvantagens para o Brasil e para o Mercosul, o governo Bolsonaro tem o acordo como um instrumento para acelerar reformas internas, limitando as políticas públicas dos próximos governos. A equipe econômica de Paulo Guedes acredita que o instrumento comercial servirá para atrair investimentos estrangeiros para o país. A visão ultraliberal do governo em relação ao Mercosul não se limita ao acordo, mas também permeia questões como a reforma da Tarifa Externa Comum e a flexibilização do bloco. Dessa forma, a conjugação do acordo com as reformas propostas para o Mercosul representaria um duro golpe para o desenvolvimento dos países membros do bloco, em especial o Brasil e a Argentina, que apresenta cautela diante da ratificação do acordo.

Jair Bolsonaro e Angela Merkel. Fotos: Evaristo Sá/AFP e Michael Kappeler/Pool/AFP

A pauta antiambiental de Bolsonaro e as pressões contra o acordo

Em 2019, foi lançado o Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal), com o objetivo de tornar a economia da União Europeia mais sustentável, reduzir as emissões de gases do efeito estufa e investir em novas tecnologias, com vistas a tornar a Europa o primeiro continente com impacto neutro no clima. Entre as diretrizes do plano, está a construção de uma Diplomacia do Pacto Ecológico, uma espécie de diplomacia verde, que inclua os princípios ambientais como centrais nas relações diplomáticas e comerciais do bloco. Esse contexto amplia as tensões entre União Europeia e o governo Bolsonaro, com sua pauta antiambiental, e as pressões internas de ativistas ambientais contra o acordo Mercosul-União Europeia.

Ainda que conte com um capítulo sobre desenvolvimento sustentável, muitos apontam que os dispositivos presentes no texto do acordo são insuficientes. Em meio à crise de queimadas na Amazônia, por exemplo, a ministra do Meio Ambiente francesa afirmou: “Não podemos assinar um tratado comercial com um país que não respeita a floresta amazônica, que não respeita o tratado de Paris (do clima)”. No mesmo sentido, mais de 100 organizações brasileiras assinaram uma carta contra o acordo, afirmando que “do ponto de vista ambiental e climático, o acordo contribui para a devastação do conjunto dos biomas e regiões brasileiras: Amazônia, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pampas, e a região do semiárido”.

Essas manifestações apontam que o fim das alíquotas de exportação para as commodities agrícolas e minerais produzidas nos países do Mercosul irá ampliar a expansão do agronegócio, incentivando um aumento do desmatamento. Segundo a coalizão de Partidos Verdes do Parlamento Europeu (The Greens/EFA), o acordo entre Mercosul e UE irá “exacerbar o desmatamento na Amazônia, destruir a biodiversidade e aumentar a violação de direitos humanos”.

Porém, é possível observar que a assinatura do acordo se articula com os interesses de setores dominantes da economia europeia, que querem manter sua liderança no novo ciclo de transição energética. O continente europeu pretende assegurar sua posição de liderança nessa mudança de paradigma tecnológico e a América Latina conta com reservas estratégicas para esse processo. Além das riquezas biológicas presentes no continente, há que se destacar as importantes reservas de minerais e terras raras – como lítio e cobre – fundamentais para produção de baterias para armazenamento energético das fontes renováveis e conversão em eletricidade.

Nesse sentido, a política antiambiental de Bolsonaro coloca os europeus em uma situação contraditória. Em um contexto de crescimento dos Partidos Verdes e da importância ambiental na opinião pública, a pressão contra o acordo é grande. Porém, os representantes da União Europeia não querem abandonar a mesa de negociações. Para tentar avançar na ratificação do Tratado, uma iniciativa de eurodeputados propôs a aprovação de um anexo ambiental, com normas mais restritivas sobre o tema.

Com grande potencial de ameaça ao meio ambiente, o Acordo Mercosul-UE não impõe obstáculos à política antiambiental de Bolsonaro e em nada distancia-se da agenda liderada pelo Ministério da Economia, tanto na questão ambiental quanto no projeto de desindustrialização do país. Além de assimétrico, reforça a dependência e subordinação sul-americana a um centro hegemônico e faz o Mercosul retroceder “em seu objetivo futuro de constituir um mercado comum, ampliando o espaço para as produções de seus países membros”.

Paradoxalmente, contudo, o primeiro dos obstáculos aos planos do governo brasileiro para o avanço do acordo está na Europa, como visto acima. O segundo obstáculo aparece nas posições de nosso vizinho mais próximo, a Argentina, que tem enfrentado os planos brasileiros de flexibilização do Mercosul e acirrado as disputas internas do bloco sul-americano. Os europeus, por fim, parecem estar em compasso de espera, na expectativa de que a situação no Mercosul se estabilize. Enquanto isso, o Estado brasileiro continua sem um projeto político de desenvolvimento que incorpore a temática ambiental e auxilie o país em sua inserção internacional estratégica no cenário de transição energética. Perde-se, assim, a oportunidade do uso sustentável das riquezas minerais e biológicas do território brasileiro, sem também um projeto que fortaleça a América do Sul diante dos grandes centros.

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