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Opinião

Ações para barrar o avanço obscurantista no ensino

É necessário barrar os ataques à abordagem, análise e debate de temas em sala de aula, defendendo o pluralismo ideológico, fundamental para o aprendizado

Créditos: EBC
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Por José de Ribamar Virgolino Barroso

O Governo Bolsonaro que, desde o início do ano administra o país, abriu as comportas para o ultraliberalismo na economia, o atrelamento e submissão à política externa norte-americana e o avanço do conservadorismo nos costumes.

As conquistas sociais e democráticas, a educação e a cultura são vítimas preferenciais dos conservadores. Na área da educação, o incentivo à privatização, à educação a distância, à militarização das escolas, ao ensino em domicílio e o tratamento dos educadores como inimigos da família, da heterossexualidade e como doutrinadores implacáveis de estudantes – submissos e incapazes do debate e da reflexão durante o aprendizado – são marcantes dentre os integrantes e apoiadores do governo da ultradireita.

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O projeto Escola Sem Partido (Lei da Mordaça) é uma das munições utilizadas pelos obscurantistas nessa ofensiva. Os setores democráticos e progressistas conseguiram impedir sua aprovação na legislatura passada da Câmara dos Deputados, mas, agora, com a composição ainda mais conservadora do Congresso, o projeto foi retomado e com conteúdo ainda mais retrógrado.

Mal começou a nova legislatura, e ao menos quatro projetos — três protocolados e uma reapresentação — abordam a prática de professores em sala de aula, como se estivéssemos em uma tragédia no mundo escolar, para além da falta de investimentos.

O novo texto da Lei da Mordaça, proposto pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), radicaliza na perseguição aos professores, dando o direito de os alunos gravarem as aulas, criando um canal para delações anônimas de docentes e proibindo grêmios estudantis de fazer o que chama de “atividade político-partidária”.

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Em contraponto, foram apresentadas propostas como o Escola Livre e o Escola Sem Mordaça, que defendem a liberdade de cátedra e condenam medidas que restrinjam a prática dos professores em sala.

E parece que os reacionários estão se unindo internacionalmente! A deputada do Mercado Comum do Sul (Mercosul) eleita pelo Paraguai, María Eugenia Crichigno Paoli, quer que todos os países do bloco se unam em torno da Lei da Mordaça. Paoli preside a Comissão de Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia e Esportes do parlamento e é proprietária de uma das maiores instituições de ensino privadas do seu país, a Universidad Politécnica y Artística del Paraguay (UPAP).

Em defesa da liberdade de cátedra

A comunidade escolar — professores, alunos e trabalhadores administrativos — tem respondido à reação com manifestações, notas de repúdio e esclarecimento dos objetivos funestos da Lei da Mordaça, além de contatos com parlamentares e ações na Justiça em defesa da liberdade de cátedra que, inclusive, integra a pauta de reivindicações das entidades filiadas à Confederação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) nas negociações do contrato coletivo deste ano. Conta, ainda, com o apoio de setores esclarecidos da sociedade que rejeitam o avanço obscurantista.

Ainda este ano, o Supremo Tribunal Federal pode decidir sobre uma lei de Alagoas semelhante à Escola sem Partido, deliberando sobre Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pela Contee. Mesmo valendo apenas para o estado, a decisão irá firmar a posição da Corte sobre o assunto.

Em 2017, o ministro relator do processo, Luís Roberto Barroso, suspendeu a iniciativa de Alagoas, atendendo ao pedido da Contee. Promulgada pelos deputados alagoanos em 2016, após derrubarem veto do governador Renan Filho (MDB), a lei previa que todo o sistema educacional do estado deveria levar em conta o “direito dos pais a que seus filhos recebam educação moral livre de doutrinação política, religiosa ou ideológica”.

Segundo o voto do ministro, “A ideia de neutralidade política e ideológica da lei estadual é antagônica à de proteção ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e à promoção da tolerância, tal como previstas na Lei de Diretrizes e Bases. A imposição da neutralidade — se fosse verdadeiramente possível — impediria a afirmação de diferentes ideias e concepções políticas ou ideológicas sobre um mesmo fenômeno em sala de aula. A exigência de neutralidade política e ideológica implica, ademais, a não tolerância de diferentes visões de mundo, ideologias e perspectivas políticas em sala.” (ADI 5537 MC/AL).

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No ano passado, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), determinou por decreto que a Secretaria de Estado da Educação deverá promover campanha de divulgação nas escolas sobre as garantias asseguradas pelo artigo 206, inciso II da Constituição Federal, bem como dos princípios previstos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996).

Fica vedado no ambiente escolar: cerceamento de opiniões mediante violência ou ameaça; ações ou manifestações que configurem a prática de crimes tipificados em lei, tais como calúnia, difamação e injúria, ou atos infracionais; qualquer pressão ou coação que represente violação aos princípios constitucionais e demais normas que regem a educação nacional, em especial quanto à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.

Pelo decreto, professores, estudantes ou funcionários somente poderão gravar vídeos ou áudios durante as aulas e demais atividades de ensino, mediante consentimento de quem será filmado ou gravado.

Essas ações coletivas, envolvendo entidades, parlamentares, personalidades e governos progressistas, são de grande importância para a denúncia pública e política dos efeitos policialescos da Lei da Mordaça e para impedir o seu avanço institucional. No entanto, é na ponta, na sala de aula, que a delação, a perseguição ao pensamento e ao exercício do ensino ocorre. E individualizada no professor ou professora, alçado a inimigo(a) interno a ser combatido(a).

Por isso, são importantes, também, iniciativas que preparam o profissional do ensino para se defender dos ataques de estudantes ou pais fanatizados.

Um desses instrumentos de defesa são as orientações aos docentes elaboradas pelo Coletivo Nacional de Servidores Públicos, disponibilizada na internet, Liberdade de Cátedra, de Ensino e de Pensamento. A publicação reafirma “direitos de primeira geração, ditos fundamentais pela nossa Constituição Federal como a liberdade de expressão, a igualdade, a dignidade.

No campo da educação esses princípios fundamentais se traduzem no princípio da liberdade de ensinar e aprender, no pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, bem como na autonomia didático-científica das universidades, expressos no art. 205 e seguintes da Constituição Federal”.

Outra publicação a serviço das professoras e professores é o Manual de Defesa contra a Censura nas Escolas. Construído coletivamente, e assinado por mais de 60 entidades e organizações, Contee inclusive, está também disponível na internet, estruturado em torno de 11 casos reais envolvendo perseguições, intimidações e assédio a mestres e/ou escolas.

A partir deles são oferecidas estratégias político-pedagógicas e jurídicas para enfrentar ofensas similares. O material, de 178 páginas, privilegia o enfrentamento político-pedagógico dos problemas, em vez de soluções judiciais individualizadas — das quais abusam os censores.

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Segundo o Manual, os movimentos ultraconservadores, “compostos também por grupos fundamentalistas religiosos, consideram que professores e livros didáticos — ao discutirem em suas aulas as profundas desigualdades presentes na realidade brasileira e a atuação da população pela garantia dos direitos — estão realizando ‘doutrinação ideológica’.

Por isso, defendem ser necessário modificar a Lei n. 9.493/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB) para extirpar do currículo escolar temas que consideram ser de responsabilidade exclusiva da família: política e desigualdade social, mas também questões de gênero, sexualidade, raça, violência doméstica e direitos humanos”.

Sem mordaça

Professoras e professores que sofram ataques devem denunciá-los publicamente e comunicar o sindicato a que pertencem. O silêncio favorece o aumento dos ataques e a mobilização dos obscurantistas. As denúncias podem mobilizar pessoas e instituições na defesa da educação, de docentes e alunos; dos direitos dos cidadãos; do cumprimento das leis e da Constituição.

Em defesa do ensino de qualidade para as brasileiras e brasileiros, é necessário barrar os ataques à abordagem, análise e debate de temas em sala de aula, defendendo o pluralismo ideológico, fundamental para o aprendizado, e que somente pode se desenvolver num ambiente de respeito à liberdade de expressão e ideias.

José de Ribamar Virgolino Barroso é coordenador da Secretaria de Finanças da Contee

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