

Opinião
A violência prossegue
As brigas registradas na partida entre Botafogo e Peñarol, pela semifinal da Libertadores, no Rio, diz muito sobre o atual estado do futebol


Apesar de transcorrida uma semana da partida de ida entre Botafogo e Peñarol, disputada na quarta-feira 23, no Estádio Nilton Santos, pela semifinal da Libertadores da América, não posso deixar de comentar um jogo tão diferente como foi aquele. Foi um jogo estranho. Certamente, um dos mais estranhos que já vi.
Antes de tudo, é necessário lembrar que o futebol uruguaio, e mesmo o argentino – nossos rivais mais renhidos –, sempre foi muito forte.
Trata-se, historicamente, de equipes muitas vezes marcadas pela violência. E, embora não se justifique a violência, ela aparece também como consequência da entrega completa das equipes.
Apesar disso, nunca me conformei com os comentários da mídia, em especial, do rádio, que, sem imagem ao vivo, precisa recorrer a termos dramáticos para descrever lances mais intensos dos jogos de futebol e usa expressões que naturalizam esses lances, tratando-os como se fossem próprios de “jogo de Libertadores”.
É, a meu ver, uma irresponsabilidade não só aceitar como também justificar esse comportamento. O passado de disputas limítrofes não pode jamais justificar tais atos. Os tempos estão ásperos em todos os cantos e as brigas entre torcidas têm se repetido cada vez com mais frequência. Não se pode, de qualquer forma, aceitar que em eventos coletivos não haja segurança.
Naquele dia, o primeiro jogo pela semifinal da Libertadores já era anunciado, desde a manhã, como uma batalha que poderia produzir uma sequência de cenas de barbárie – barbárie para a qual não temos, até hoje, uma explicação razoável que não seja a falta de prevenção.
Os confrontos entre torcedores do Peñarol e as forças policiais no Rio de Janeiro causaram tumulto e detenções – 21 torcedores foram presos após uma briga no Recreio dos Bandeirantes. E essa não era a primeira vez em que algo assim acontecia. Em 2019, durante uma partida contra o Flamengo, uma briga resultou na agressão de um torcedor, que acabou morrendo no ano seguinte.
A consequência disso tudo foi que, nos dias que antecediam o jogo de volta da semifinal da Libertadores, o ministro do Interior do Uruguai, Nicolas Martinelli, decidiu que a partida desta quarta-feira 30, no Estádio Campeón del Siglo, em Montevidéu, não teria torcida visitante. O ministro informou, em um ofício, temer represálias da torcida do time de Montevidéu.
O presidente do Peñarol, Ignacio Ruglio, divulgou um comunicado à imprensa, defendendo essa decisão e afirmando que o time brasileiro havia criado um “clima de guerra”.
A Conmebol, que organiza a Copa Libertadores, por sua vez, enviou um ofício ao Peñarol exigindo que o clube garanta a segurança e o acesso da torcida do Botafogo em respeito “ao equilíbrio esportivo”.
O momento que atravessamos é mesmo preocupante em relação à violência, que acontece em todos os lugares – inclusive, com a bola rolando, ou melhor, com a bola não conseguindo rolar, como foi a primeira parte do Botafogo vs. Peñarol. Não vale o argumento furado de que os times “platinos” sempre foram assim, e acabam por recorrer à “catimba” como recurso de jogo.
Isso, sim. mas nunca se viu a determinação de não haver jogo nenhum, com cenas ridículas, péssimos atores em campo e a conivência da arbitragem, que deu um tempo de desconto igualmente ridículo.
Até agora não absorvi a mudança radical do segundo tempo: vimos um jogo completamente distinto, e vimos também a determinação do Botafogo de fazer um gol a qualquer custo. A sorte de ter conseguido logo de início, por duas vezes, desestabilizou o adversário que, a partir dali, deixou exposta a sua fragilidade.
Me veio à memória, depois desse jogo, a história do futebol brasileiro com o uruguaio, marcada pelo nosso eterno trauma: o maracanazo. Em 1950, com um gol do ponta-direita Ghiggia, a 11 minutos do fim da partida, o Uruguai venceu de virada a Seleção Brasileira, no Maracanã, e conquistou a Copa do Mundo. •
Publicado na edição n° 1335 de CartaCapital, em 06 de novembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A violência prossegue’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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