Opinião
A violência em campo
A morte de torcedores na Indonésia me lembrou uma partida, nos anos 1970, em Jacarta, em que fomos retirados do gramado por um tanque do Exército
Depois da corrida por apoio de jogadores e artistas aos mais diversos candidatos, veio, enfim, no domingo 2, a eleição em primeiro turno. Os resultados foram parciais para alguns e definitivos para outros. Resta a prorrogação e o jogo ficou mais intrincado.
A expectativa criada pela possibilidade de vitória no primeiro tempo deu lugar a uma frustração momentânea, principalmente em razão dos resultados para as Casas Legislativas, com destaque para o Senado Federal, e para os governos estaduais. Entre as melhores justificativas para o resultado parcial está a do “conservadorismo estrutural” da sociedade brasileira.
Esse conservadorismo voltará a ser, nas próximas semanas, terreno fértil para a exploração de temas descabidos. O terrorismo chegou ao ponto de até acusações de satanismo terem vindo à baila – embora a Constituição nos garanta um Estado laico.
Fica claro, nesse contexto, o obscurantismo dos reacionários conservadores. Eles precisam nutrir, entre outros males, o escravismo. Só assim conseguem manter seus vergonhosos privilégios. Mas, apesar do baque, o fato é que o jogo continua sendo jogado.
Da campanha para o primeiro turno das eleições a conclusão que se tira é que a grande campeã foi a senadora Simone Tebet, que se destacou pela firmeza de suas convicções e pelo seu posicionamento claro para o segundo turno.
Simone assume sua origem no agronegócio e, ao mesmo tempo, preza o meio ambiente. Ou seja, ela não mistura as estações, “simplesmente passando a boiada” ou, pior, endossando o nazifascismo que mora ao lado. Agora, na prorrogação, o tempo de jogo é menor e a intensidade, maior. Cada minuto é precioso e cada eleitor tem seu passe valorizado.
Atravessado o desencanto imediato com os resultados do primeiro turno, acredito ser possível dizer que, em razão do nosso cenário como sociedade – que inclui a velocidade nas comunicações –, ao fim desse processo, terá havido, em um prazo não muito longo, crescimento da consciência política da sociedade brasileira.
A intimidade do esporte e da política está, por sua vez, demonstrada na discussão que se trava neste momento, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, com representantes das torcidas organizadas, que foram suspensas e ficaram proibidas de comparecer aos jogos de seus times.
Na quarta-feira 5, uma nova reunião entre representantes das torcidas, da Assembléia e do Ministério Público do Rio de Janeiro para discutir o projeto de anistia das principais organizadas, ficou decidido que as punições ficam suspensas por 60 dias.
Trata-se de um debate fundamental para se entender que não é reprimindo ou mandando as coisas desagradáveis para debaixo do tapete que se combate a violência abjeta dentro ou fora dos estádios.
O episódio ocorrido esta semana na Indonésia só reforça a necessidade de encararmos a questão de frente. No país, pelo menos 125 torcedores de futebol morreram durante um tumulto no Estádio Kanjuruhan, em Java. Estima-se que o número de crianças mortas na confusão tenha sido superior a 30. A polícia está sendo investigada por ter disparado gás lacrimogêneo contra os torcedores que invadiram o campo quando a partida terminou.
Ao ler as notícias sobre o chocante episódio, não pude deixar de lembrar do que vivi no Estádio Nacional, em Jacarta, durante uma excursão com o Olaria A.C., no contexto da Copa de 1970, no México.
Passamos por uma situação semelhante a esta que se repete a agora. Por conta de um desentendimento entre os jogadores dos dois times, houve a invasão por torcedores e uma briga generalizada, na sequência contida pela polícia. A contenção só foi possível porque o estádio era moderno e o acesso era limitado a duas passarelas estreitas para veículos de manutenção.
Apesar disso, os torcedores insistiam em invadir maciçamente o espaço. Depois de muito tempo, fomos retirados de dentro do gramado por um tanque e um jipe do Exército, e levados, em trajes de jogo, para um quartel. Passadas longas horas, fomos enfim conduzidos ao hotel, que ficou cercado por militares até a manhã seguinte, quando voamos em direção à Tailândia.
Me parece que essa história nos diz muito sobre as incontornáveis relações entre esporte e política. Aquele estádio, assim como outras obras grandiosas, havia sido construído num período em que havia um acordo entre a Indonésia e a União Soviética – rompido depois, devido a uma guinada na política local. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1229 DE CARTACAPITAL, EM 12 DE OUTUBRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A violência em campo”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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